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sexta-feira, 29 de junho de 2012

ARQUITETURA DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL


A Arquitetura da Participação Social pressupõe a transversalidade temática, aferindo resultados e análises para além dos dilemas e dos desenhos institucionais dos conselhos de gestão de políticas públicas.

Introdução

Olhar, refletir e analisar um objeto de pesquisa possibilita amplificar conceitos e desdobrar significados, ou seja, criar perspectivas para fora dele. Esse é o sentido aqui adotado para escorços. Especialmente, quando olha para as experiências participativas vinculadas à gestão pública federal, sendo esse o objeto de análise. Por sua vez, a criação de perspectiva ocorre no momento em que se reflete sobre temas que decorrem as distintas realidades desses espaços.

A Constituição Federal de 1988, no contexto das demandas e lutas da sociedade civil organizada pela redemocratização, criou bases normativas para um novo projeto de Estado no Brasil. Tal concepção se destaca pelo novo entendimento de esfera pública e de administração pública, na qual a participação dos atores da sociedade civil em espaços institucionais busca significados de partilha do poder e de ampliação de direito de cidadania.

Durante a década de 1990 observa-se a implantação de conselhos de gestão de políticas públicas na esfera federal, assim como nos municípios. No entanto, foi um período de restrições instauradas pelo modelo de Estado adotado, profundamente influenciado por ajustes econômicos neoliberais.

A vitória eleitoral, em 2003, do Partido dos Trabalhadores ampliou a participação social e fez dessa uma bandeira do novo governo. A partir daquele ano observa-se uma ampliação dos espaços participativos.

Como resultado, constatam-se muitos espaços participativos caracterizados pela diversificação por esferas de governo (municipal, estadual e federal) e diferenciação por políticas setoriais.

Diante disso, muitos balanços podem ser realizados sobre os avanços em nossa democracia, mas um talvez seja essencial: a avaliação crítica sobre a democracia participativa brasileira.

Esta avaliação conta com três momentos complementares:

·      Revisão bibliográfica, que versará sobre a visão dos atores da sociedade civil sobre a
democracia participativa desde a década de 1980;

·      O mapeamento de espaços participativos no governo federal, no período de 2003 a
2010;

·      Estudos temáticos.

No escopo dos estudos temáticos foram definidos três eixos: representação, interface, conflito/pactuação. Se a ampliação de espaços participativos foi uma marca desses últimos anos, há poucas análises sobre como tem se configurado a representação e como ocorrem as complementaridades entre esses espaços. Outra inquietação presente diz respeito ao conflito de interesses em jogo, sejam das organizações, entidades e movimentos sociais que ocupam esses espaços participativos, como também dos governos e órgãos da administração.

Essa comunicação objetiva apresenta a configuração dos estudos temáticos. Abordaremos o processo de construção e os eixos temáticos que estruturam a pesquisa. Na sequência apresentaremos os primeiros resultados da fase exploratória da pesquisa.

Como conclusão, apontamos alguns desafios em relação aos eixos pesquisados, principalmente na direção de repensar ambientes participativos caracterizados pela partilha de poder e pela garantia de direitos. Esses primeiros resultados lançam luzes sobre temáticas que serão exploradas nas etapas finais da pesquisa.

Escorços dos eixos temáticos

A constituição do processo investigativo se deu com base na opção inicial em ser uma pesquisa crítica, mas ao mesmo tempo propositiva. Os estudos realizados para a etapa de revisão bibliográfica e o mapeamento de espaços participativos iluminaram dilemas e desafios dos espaços participativos brasileiros. Dessas etapas surgiram temas que a democracia participativa enfrenta e limites para a sua consolidação.  Tais temas foram concentrados em três categorias organizadoras: representação, interface, conflito/pactuação.

Para os fins dessa pesquisa essas categorias são chamadas de eixos temáticos e partem de uma visão metodológica que explora e projeta reflexões para além dos desenhos institucionais de cada espaço participativo nacional. O foco está nos dilemas dos espaços participativos e nas institucionalidades que podem indicar um novo desenho da arquitetura da participação social.

Em suma, a opção metodológica foi por extrapolar o desenho de cada conselho. A busca é pela compreensão de como ocorrem as conformações de cada um desses espaços para fora de si mesmo: em direção à sociedade civil e em direção ao Estado.

O primeiro eixo da pesquisa, representação, busca a compreensão sobre a configuração das representações da sociedade civil e do governo, e os limites que seus representantes enfrentam. Propõem a análise das partes que compõe o mosaico que é a arena participativa em um Conselho (pessoas, entidades, segmentos e o próprio Conselho).

Há diversas dimensões intrínsecas nesse eixo:

·      A visão do representante do lugar que ocupa;

·      O governo em suas articulações para se fazer representado;

·      A visão dos conselheiros sobre os outros representantes do governo e da sociedade
civil;

·      A representação por segmentos definida na constituição de cada conselho.

O segundo eixo da pesquisa se debruça sobre a institucionalidade do conselho, investigando como ocorrem as relações com outras instituições como, por exemplo, os ministérios e órgãos públicos, as organizações da sociedade, os outros conselhos e as conferências. Esse eixo é chamado de Interface.

As dimensões investigadas nesse eixo focalizam a sobreposição temática entre os conselhos, a existência de conflitos entre deliberações de conselhos e conferências de temas distintos, as possíveis experiências de articulações entre os conselhos e o entendimento da relação entre conselho e conferência.

O último eixo da pesquisa, denominado conflito/pactuação, tem um olhar para os blocos da sociedade e do governo com o intuito de investigar a maneira como funcionam no espaço do conselho. Para isso, lança luzes sobre os conflitos e a maneira como aparecem nos espaços participativos. Busca-se compreender a natureza das relações entre governo e sociedade, bem como as estratégias utilizadas para levar pautas ao espaço do conselho. As dimensões analisadas, nesse eixo, partem da identificação dos temas conflituosos, dos projetos políticos em disputa e sobre as naturezas do conflito trazidas pela sociedade e pelo governo, com o pressuposto de que os conselhos são arenas marcadas pelo conflito onde se explicitam e negociam diferentes interesses.

Primeiras análises

O cruzamento das informações encontradas nas entrevistas exploratórias demonstra o desafio ao lidar com temas que transversalizam os conselhos. Inicialmente o ângulo de análise passa a ser a intersecção de informações fugindo dos dilemas internos de cada espaço e do processo de formação de cada uma das políticas.

Adota-se o termo projeto político na visão de Dagnino, "num sentido próximo da visão de Gramsci, para designar os conjuntos de crenças, interesses, concepções de mundo, representações do que deve ser a vida em sociedade, que orientam a ação política dos diferentes sujeitos". Nessa intenção de construir uma visão mais geral, os cruzamentos possibilitam a compreensão das dimensões relativas à sociedade, ao governo e ao próprio espaço institucional participativo.

Quanto ao eixo da representação as entrevistas apontam para certo isolamento do conselheiro no ato da representação. Isso pode ser constatado desde o ponto de vista da não existência de devolutivas, à informalidade dos canais de devolução (mensagens eletrônicas) até a decisão tomada individualmente pelos conselheiros.

“E a base que te elegeu? E a representação que fez que você chegasse ao Conselho?”

“A questão das dificuldades, dos dilemas, é que a gente acaba não tendo um espaço nos encontros, nas assembleias, para tratar especificamente sobre esse tema, fazer uma prestação de contas, dar uma devolutiva do que está sendo tratado. Porque essa questão não é a questão principal da entidade.”

Os trechos acima ilustram limites e as dificuldades dos conselheiros de lidarem com as bases e os segmentos aos quais representam. Isso dificulta o ato da representação como autorização e prestação de contas, já que muitas vezes, o processo de distanciamento isola o conselheiro em sua arena de atuação.

Associado a isso, e como outra análise possível dos cruzamentos entre as respostas das entrevistas, apesar de nuances entre os conselhos, está a dificuldade dos conselheiros de criarem uma sistemática de publicidade de suas ações. Isso, porém, relaciona-se diretamente com o modo de organização e estruturação dos conselhos já que essas instituições também têm dificuldade de criar transparência de suas ações tanto para a sociedade, como para o próprio governo.

“Então, a devolutiva acaba sendo dificultada, porque em partes o Fórum acaba fazendo essa devolutiva. Então, a gente hoje acaba ficando na devolutiva por meios cibernéticos...”.

“Para você acompanhar essas informações, você tem que acessar o site e nem sempre o site tem as informações gerais, normalmente falta foco nesse sentido. Jornais de grande circulação também a gente encontra pouco. Então, eu avalio que o Conselho enquanto estrutura ainda tem um processo muito frágil de comunicação com a sociedade”.

Quanto ao segundo eixo, interface, verifica-se que a ampliação dos espaços participativos não foi acompanhada pelo aumento da articulação e integração entre as diferentes áreas setoriais e as instituições participativas. Pelo contrário, verifica-se uma reprodução da lógica de especialização das políticas setoriais e isolamento.

[...] “esses nossos instrumentos não estão respondendo a questão de romper com a fragmentação. A gente percebe que é o contrário, que está cada vez mais especializado... estamos formando guetos... Então, esses instrumentos tem aprofundado um ponto contrário do que sempre falamos que era de pensar de uma maneira articulada, descentralizada”.

Portanto, nesse quesito o que se tem é quase um vazio de ações conjuntas, que resultou na construção do Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária. Essa experiência foi motivada por vários fatores, mas, sem dúvida, destaca-se a pressão do próprio desenho da política pública e de seu financiamento.

“... acho que a articulação entre Conselhos. Aliás, a não articulação entre Conselhos é uma realidade sentida por todos”.

“Com relação às interfaces com os outros Conselhos isso é bem fácil. Não tem interfaces”.

“Agora de diálogo entre os Conselhos a gente conseguiu até aprimorar o diálogo com o Conselho Nacional de Assistência Social, até por uma questão de alguma forma de dependência, já que hoje as verbas estão vinculadas à área da Assistência Social então é uma exigência que isso acontecesse, então conseguimos elaborar resoluções conjuntas, como o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária”.

Outro tema que foi analisado, nesse eixo, diz respeito à interface entre os Conselhos e as Conferências. Aqui se encontra um grande hiato entre a decisão de se fazer a conferência e a utilização de seus resultados. Entre esses polos, está o processo de mobilização social para discussão da conferência, que, em detrimento do seu sucesso não é aproveitado como espaço educativo .

“Ela não tem monitoramento, não tem retorno às bases, então eu questiono muito o seguinte, normalmente você tira delegados, numa delegação para participar de uma Conferência, e aquela delegação nunca volta para dar um retorno para quem o elegeu, então a gente tem uma relação de mão dupla nas Conferências, da sua construção para o seu monitoramento”.

As pactuações no espaço do Conselho, terceiro eixo de análise da pesquisa, permite visualizar que os temas em disputa entre governo e sociedade  concentram-se, principalmente, na questão orçamentária.

“Agora mesmo a discussão do Plano Decenal, em algumas reuniões houve uma mobilização do governo, principalmente as previsões de não contingenciamento dos recursos, isso teve uma polêmica entre governo e sociedade civil. O governo se mobilizou para que essa proposta não passasse a proibição do contingenciamento de recursos na área da criança e adolescente. Então, quando algum tema assim. Também quando a gente tem tratado de responsabilização de gestores públicos pelo não cumprimento, não execução de orçamento, etc., também tem uma mobilização para essas propostas não vingarem”.

“A outra questão de conflito é o financiamento da política. Aí é que bate governo e sociedade. Aqui a gente vai discutir entre demanda, necessidade social. A questão do financiamento tem a dimensão da necessidade e da capacidade de cobertura, mas hoje também ela está muito vinculada com a própria capacidade de gestão dos municípios”.

As entrevistas demonstram ainda que o mecanismo de negociação e pactuação é o tradicional jogo de “bastidores e corredores”, no qual previamente a uma discussão em reunião plenária, são feitas conversas e contatos paralelos que consubstanciam acordos e maiorias para votação e aprovação de propostas. Dessa forma, muito poucos conflitos são explicitados no espaço do debate. Enfim, práticas antigas em institucionalidades novas.

“Quando uma coisa que o governo quer e sabe que a gente tem uma restrição eles tentam negociar. Chamam para conversar antes da reunião, liga. A uma relação direta com os conselheiros mais atuantes, principalmente aqueles que elaboram proposta. Então, há uma conversa direta. E são abertos para negociar. E há uma negociação prévia”.

Apontamentos finais

Procurou-se nesse artigo apresentar os achados iniciais das entrevistas exploratórias quanto aos três eixos temáticos da pesquisa em foco.

Quanto à representação é possível apreender alguns dos possíveis significados do ato do controle social. O isolamento e o distanciamento dos conselheiros em relação a sua base ou segmento que representa, a baixa articulação, constatado nas entrevistas, fragiliza o exercício do controle social, e dá margem para um  ambiente de defesa de interesses  privados, particulares ou  restritos tanto as entidades quanto ao próprio governo.

No eixo interface, percebe-se que a ampliação dos espaços participativos no governo federal não convergiu no sentido da criação de uma lógica sistêmica e articuladora, reproduzindo paralelismos e especializações ao invés da complementaridade. Essa noção pode ser observada também entre Conselhos e Conferências construídos no interior das políticas setoriais.

Os temas relacionados aos conflitos/pactuações demonstram que a partilha de poder nesses espaços ainda é uma meta a ser trabalhada. Primeiramente porque a questão dos recursos aparece como ponto nevrálgico da disputa entre governo e sociedade, demonstrando que o ato governamental ainda preserva o poder de decidir sobre onde e como aplicar os recursos. Outro aspecto é o modus operandi (maneira de agir, operar ou executar uma atividade seguindo sempre os mesmos procedimentos) de governo e sociedade nos processos de votação e deliberação nas reuniões plenárias dos conselhos, onde se observa que em muitas situações os diversos interesses não são explicitados, evitando-se o debate, prevalecendo estratégias tradicionais de negociação.

Abaixo a um resumo sobre os três eixos apresentados:

·      Eixo Representação – refletir sobre a natureza, o que significa representar na
democracia participativa, quais as implicações no jogo político, quais os dilemas e dificuldades;

·      Eixo Interface – o debate aponta para identificar paralelismos, sobreposições e pistas
para repensar a arquitetura da participação social;

·      Eixo Conflitos/Pactuação – localizar o que está em disputa, como se resolvem
conflitos, como se negocia, como se constroem pactos, se fazem acordos.

Concluímos que devemos adensar e contribuir com o debate sobre os horizontes da democracia participativa, com as possibilidades de desenhos, que fortaleçam a presença organizada da sociedade civil. Há um comprometimento com a ampliação da democracia e da participação popular.
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Vídeo superinteressante sobre o Projeto de Inclusão Social e Desenvolvimento Integrado das Margens dos Rios Iguaçu e Paraná - Projeto Beira Foz. O vídeo é extenso mais vale a pena assistir. O vídeo explica um pouco do histórico dos rios, e a inclusão social nesse projeto juntamente com as três esferas governamentais.


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