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segunda-feira, 28 de maio de 2012

ECONOMIA REGIONAL E URBANA BRASILEIRA



Economia é o estudo que consiste na produçãodistribuição e consumo de bens e serviços

Introdução

O sistema urbano do Brasil é marcado pela convivência de dois grupos distintos. Duas nações, dois Estados organizados de maneira distinta. Nas cidades brasileiras, extrema pobreza mora lado a lado da concentração de riqueza. O crescimento populacional brasileiro dos próximos 50 anos será em sua totalidade. Isto significa que as três esferas de governo devem procurar alargar a capacidade de gestão das cidades a fim de melhorar a qualidade de vida dos atuais e futuros moradores.

Dentre as medidas a serem adotadas pelos gestores públicos, destacamos: aumentar a qualidade e oportunidade de emprego, fornecer condições de moradia mais adequadas, elaborar sistemas de informações para a eficiência de políticas públicas de prevenção e maior eficácia e amplitude na provisão de serviços públicos.

A gestão das cidades exerce um papel primordial neste cenário de crescimento populacional intenso nas cidades. O aprofundamento dos problemas urbanos seria uma das consequências de uma potencial má gestão, em que a maioria da população continuará vivendo em moradias inadequadas, sem direito de propriedade, sem provisão de serviços públicos, sem acesso a amenidades básicas e expostas à marginalidade e a áreas de risco de saúde pública. Vamos analisar alguns dos principais problemas urbanos brasileiros: crescimento econômico, favelas e criminalidade. Esses aspectos estão relacionados com a desigualdade de acesso vivida por grande parcela da população das cidades.

Crescimento pró-pobre e distribuição de renda das capitais dos Estados brasileiros

Crescimento econômico é o objetivo precípuo de diversas políticas públicas. No entanto, experiências e evidências empíricas apontam que nem sempre o crescimento econômico ocorre concomitantemente a uma melhor distribuição de renda. Ao contrário, o crescimento de algumas nações vem acompanhado de uma piora da distribuição de ativos e, como resultado, do acesso a oportunidades.

O aumento do bem-estar agregado e a geração de renda e emprego devem atingir toda a parcela da população. Este é o argumento central por trás da concepção e melhoramento de políticas, porém nem sempre posto em prática e/ou alcançado. Em algumas regiões o crescimento acompanhado pela distribuição de renda é ainda mais decisivo. A título de ilustração, a região Nordeste possui, aproximadamente, um quarto da população brasileira e 50% dos pobres do Brasil. Neste cenário, o crescimento econômico com a redução da desigualdade de renda acarretaria benefícios amplificados. A instabilidade social presente em muitas regiões do Brasil seria atenuada via um crescimento com qualidade.

Este trabalho visa a fornecer evidências sobre o perfil de crescimento do sistema urbano do Brasil, representado no presente caso pelas capitais dos estados brasileiros. Por perfil de crescimento entende-se o quanto o crescimento econômico favoreceu o crescimento de renda da parcela menos abastada da população.

Neste contexto, o conceito de crescimento pró-pobre é o utilizado. O crescimento econômico é tido como pró-pobre se houver um aumento da renda dos mais pobres acima da elevação da renda média. Um crescimento econômico do tipo pró-pobre pode ser visto como um instrumento efetivo de distribuição de renda e de redução da pobreza.

Divide-se o crescimento pró-pobre em quatro categorias:

·      pró-pobre, em que o crescimento da renda domiciliar per capita média dos pobres é
superior ao aumento da renda domiciliar per capita média;

·      não pró-pobre, em que o aumento da renda da população menos abastada dá-se a
uma taxa inferior ao crescimento da renda média; 

·      empobrecedor, em que um crescimento econômico positivo é acompanhado por uma
redução na renda per capita média dos pobres;

·      inconclusivo, isto é, um padrão de crescimento econômico que não se enquadra em
nenhuma das três categorias apresentadas anteriormente.

Estimação da perda de produção devido a mortes por causas externas nas cidades brasileiras

As mortes por causas violentas compõem um quadro absolutamente dramático no Brasil e, consequentemente, representam uma questão de primeira grandeza para as políticas públicas. Apenas em 2001, mais de 120 mil pessoas foram vitimadas. Tal questão é particularmente grave em relação à população de jovens entre 15 e 29 anos, cujos óbitos por causas violentas representaram 50,9% do total das mortes nessa faixa etária.

Entender com maior profundidade esta questão é um elemento crucial para fundamentar políticas efetivas. Especificamente para homicídios, nos últimos 25 anos houve um aumento de médio anual de 5,6% no número de registros, o que posicionou o país entre os mais violentos do planeta, com uma taxa de 28 homicídios para cada cem mil habitantes. Nesse período, ocorreram 794 mil assassinatos. Diante dessa marcha acelerada da violência letal no país desde 1980, não cabe afirmar que se trata de uma explosão súbita de criminalidade, mas sim de uma tragédia anunciada, cujos incidentes evoluem com regularidade estatística espantosa, em um verdadeiro processo endêmico, tendo em vista a sua generalização espacial e temporal, bem como a presença de um conjunto de fatores estruturais e locais que alimenta essa dinâmica criminal.

Aponta-se basicamente três fatores para explicar a degradação das condições de segurança pública no Brasil:

·      carência de recursos;
·      inexistência de tecnologias e métodos eficazes de prevenção e controle do crime;
·      ausência de real interesse em resolver a questão, tendo em vista
a possível perda de status quo para determinados grupos sociais.

Os dois primeiros fatores sozinhos não seriam capazes de explicar a hipercriminalidade brasileira, se examinados à luz de inúmeras experiências bem sucedidas em vários países desenvolvidos e emergentes, que conseguiram diminuir a criminalidade.

Uma análise espacial: o crescimento econômico

O crescimento e urbanização das cidades brasileiras nas últimas décadas agravaram a situação dos moradores das cidades. As políticas públicas realizadas até então não tiveram impactos suficientes para dirimir os conflitos sociais adversos. Existem exceções, isto é, casos de sucesso como, por exemplo, Diadema (SP) na redução da criminalidade e Belo Horizonte (MG) na melhoria de condições de vida dos habitantes em favelas. Sem confiscação, ainda resta uma grande lacuna para políticas públicas com o objetivo central de redução dos problemas urbanos encontrados em todas as regiões do Brasil.

Entre as várias implicações do crescimento econômico no país estão as alterações no padrão de desigualdade nacional/regional, no fluxo migratório de pessoas de áreas estagnadas para outras mais dinâmicas, com efeitos sobre o mercado de trabalho e a despesa pública.

Para captar as inter-relações entre todos esses elementos trataremos do crescimento econômico comparado entre municípios dos Estados de Alagoas e Minas Gerais, do padrão de desigualdade nacional, do fluxo migratório, do mercado de trabalho rural e da demanda por serviços públicos locais. Há variáveis que determinam as taxas de crescimento da renda do trabalho por habitante dos municípios alagoanos e mineiros, com até 50 mil habitantes, entre 1991 e 2000.

Os principais resultados do estudo mostram que os determinantes do crescimento econômico dos municípios de um estado relativamente rico (Minas Gerais) são distintos daqueles de um estado relativamente pobre (Alagoas), seja por diferenças nos níveis de produtividade e qualidade de vida seja por distintos fatores idiossincráticos de cada região.

Evolução da desigualdade socioeconômica

O Brasil desponta como um dos países com maior desigualdade social, econômica e regional. Essas desigualdades revelam-se por inúmeros indicadores, como renda, escolaridade, acesso aos serviços de saúde, habitação, saneamento, transporte, comunicação, etc. Políticos e economistas concordam que a redução das desigualdades é uma das principais, se não a principal, política para elevar o bem-estar da sociedade brasileira. No entanto, ainda não existe consenso sobre quais são as políticas mais eficientes para concretizar esse objetivo.

De acordo com as previsões de convergência condicional da renda da teoria neoclássica de crescimento econômico, alguns economistas acreditam que as diferenças regionais de renda no Brasil explicam-se pelas características dos indivíduos, principalmente pelo baixo nível de capital humano das pessoas residentes nas regiões brasileiras mais pobres. Estes defendem que o aumento no nível educacional das pessoas mais pobres é suficiente para equalizar os salários reais entre as regiões brasileiras, pois as pessoas podem migrar para regiões que pagam maiores salários reais e o capital deve migrar para regiões com oferta de mão de obra qualificada mais barata.

Entretanto, trabalhos empíricos recentes têm confirmado novos modelos de crescimento que supõem que, além da educação, o capital geográfico afeta a produtividade marginal do trabalho e do capital. Tal fato fortalece o argumento de que território é um fator importante para explicar as diferenças regionais de renda no Brasil e que políticas educacionais não são suficientes em reduzir essas diferenças.

Migração e diferenciais de renda: teoria e evidências empíricas

É bastante divulgada a tese de que, no Brasil, o processo de concentração geográfica da produção e da renda em algumas regiões não se configura como uma nova tendência da economia brasileira, mas está imbricado com a história do desenvolvimento econômico do país e se associa ao processo de industrialização. O argumento mais comum é que esse processo não é determinístico nem linear. Nem tampouco é recente a reflexão – no Brasil e no mundo – sobre a possibilidade e tendência de concentração espacial da atividade econômica. 

Sugere-se que há três grandes grupos de argumentos teóricos que procuram explicar a especialização e a concentração regional das atividades econômicas. O primeiro, relacionado à teoria tradicional do comércio internacional, em que a especialização regional da atividade econômica é uma consequência das vantagens comparativas provenientes da abundância de fatores de produção disponíveis na região. O segundo grupo associa a existência de concentração regional à presença de retornos crescentes de escala, combinada com custos de transporte, e à presença de economias de aglomeração. Já o terceiro grupo toma por base a abordagem marshallina com relação às externalidades (efeito transbordamento).

Certamente, o padrão de desenvolvimento regional é determinado pelo nível de concentração dos fatores de produção. A distribuição espacial desses fatores também depende do padrão de desenvolvimento da região. Há um aspecto circular que determina quanto a oferta de bens e serviços influencia preços e salários que, por sua vez, influenciam a oferta de mão de obra. É o mercado de bens e serviços interagindo com o mercado de trabalho que, juntos, distinguem o desenvolvimento de uma região.

Nesse contexto, a migração de trabalhadores ocupa um papel importante e é considerado fundamental no mecanismo de ajuste do processo de desenvolvimento econômico.

Avaliação econômica dos fundos constitucionais de financiamento do Nordeste e do Norte (FNE e FNO)

Nos últimos anos, percebe-se uma elevação na rigidez orçamentária e uma deterioração no volume de investimento público, nesse sentido tem sido recorrente o clamor por uma melhor qualidade e por uma aplicação mais eficaz dos recursos públicos. No entanto, apesar da evolução técnica do Tribunal de Contas da União, órgão externo ao poder executivo federal e responsável pela avaliação da eficácia dos recursos públicos federais, o governo federal continua aplicando seus recursos sem a devida quantificação de sua eficácia.

No intuito de avaliar a eficácia da aplicação de uma parte dos recursos constitucionais nas regiões menos desenvolvidas do país, este artigo apresenta e discute os resultados obtidos na avaliação da aplicação dos recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE) e do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO), a partir das estimativas de Propensity Score das firmas beneficiadas com recursos desses fundos constitucionais e de um conjunto de firmas não beneficiadas por esses fundos.

Na análise dos resultados obtidos, é importante destacar os limites presentes na avaliação, que estão vinculados tanto à natureza da avaliação, como à sua própria operacionalização. Nesse sentido, cumpre ressaltar, primeiro, que as estimativas obtidas exploram unicamente a dimensão eficácia na avaliação da aplicação dos recursos desses fundos, isto é, referem-se aos resultados econômicos dos financiamentos, o que é feito através do cotejo entre o desempenho econômico das firmas na situação de beneficiadas com recursos dos fundos e o desempenho de firmas na situação de não beneficiadas com esses recursos. Dessa forma, os resultados não contêm informações diretas, por exemplo, a respeito da relação custo/benefício do número de ocupações geradas pelas firmas beneficiadas.

Uma segunda qualificação diz respeito ao universo de firmas considerado neste estudo que, em virtude da inexistência de um conjunto de informações sobre firmas não beneficiadas com o perfil das firmas beneficiadas, ficou restrito às firmas beneficiadas do setor formal. Em verdade, o conjunto de firmas beneficiadas utilizadas na avaliação ficou restrito àquelas efetivamente identificadas na RAIS (Relatório Anual de Informações Sociais) para os períodos analisados. Assim, principalmente por esse motivo, os resultados apresentados representam efetivamente uma avaliação parcial da eficácia da aplicação dos recursos do FNE e do FNO.

Essa última qualificação condicionou a escolha das variáveis de impacto/desempenho da avaliação, que ficaram restritas à taxa de variação do número de empregados das firmas e à taxa de variação do salário médio pago pelas firmas, variáveis passíveis de registro e acompanhamento anual a partir da RAIS. Esta, contudo, é uma limitação menos séria que aquela representada pelo universo do setor formal, uma vez que são variáveis que devem estar presentes quando os objetivos de aplicação dos recursos direta ou indiretamente estão relacionados com a elevação da renda regional.
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Assista a essa entrevista realizada pelo Jornal da Globo, onde diz que o problema da economia brasileira é a educação.



domingo, 20 de maio de 2012

SOCIOLOGIA URBANA



A sociologia urbana estuda as relações sociais (entre indivíduos, grupos e agentes sociais) dentro do espaço urbano, constituindo-se, de forma geral, como a base dos estudos sobre as cidades.


Origens da Sociologia

Como várias outras disciplinas modernas das ciências sociais aplicadas (economia, política, direito positivo, por exemplo), a sociologia nasce no contexto da revolução industrial na Europa ocidental, quando a reflexão sobre as organizações humanas, inclusive num sentido comparativo entre as sociedades civilizadas – em contraposição à comparação entre estas e as sociedades ditas primitivas, que redundará na antropologia –, começa a ser sistematizada pelos primeiros filósofos sociais, ou “ideólogos”, como foram chamados alguns deles, na passagem do Iluminismo para a sociedade capitalista, movimento, aliás, coincidente com a Revolução Francesa. Alguns desses pensadores iluministas – entre eles Rousseau e Condorcet, por exemplo – colocam as bases de um discurso não mais simplesmente filosófico, ou apenas histórico, mas de natureza quase sociográfica sobre as formas de organização social e as instituições criadas pelos homens para regular as relações entre eles. O contratualismo inglês ou o de Rousseau, o progresso das luzes na visão desses ideólogos da sociedade civil e a evolução dos meios materiais (tecnologia), assim como as funções do Estado e os modos pelos quais os homens entram em relações de trabalho ou se organizam politicamente constituem alguns dos diversos elementos conceituais que integrarão, já no século XIX, essa nova disciplina que seria batizada pelo pensador francês Augusto Comte de “sociologia”.

Antes dele, alguns “estatísticos” tinham começado a coletar dados sobre a vida dos homens em sociedade: nascimento, morte, trabalho, criminalidade, ocupações profissionais etc. Outros, preocupados com a amplitude do sofrimento humano – naturalmente existentes ou provocados pelos próprios homens – e as desigualdades existentes (algumas aprofundados nessa mesma época), se dedicaram a preconizar grandes projetos de reforma das sociedades tradicionais, ou em transição para o sistema fabril capitalista, em função de projetos imaginários que também se situam nas origens das doutrinas socialistas. Entre estes se destaca o aristocrata francês Saint-Simon que, com base nesse tipo de valor ideal, passa a investigar as causas da organização social de sua época, com vistas a preconizar melhorias graduais no funcionamento da sociedade.

Desse tronco derivam as diferentes doutrinas socialistas e, no plano do método, as formas de interpretar os problemas sociais e eventuais formas de superá-los.

Essa é uma era das revoluções, como intitulou Eric Hobsbawm seu estudo de história cobrindo essa passagem da antiga sociedade aristocrática e absolutista para outra na quais mais classes passam a ter acesso ao sistema político, em primeiro lugar a burguesia, mais adiante o proletariado. Mas, segundo ele mesmo, a era revolucionária deu lugar à era do capital, tão bem estudada por Karl Marx e seus discípulos, que faziam sociologia ainda que não de forma deliberada ou sistemática. Um desses seguidores, Herbert Marcuse, já no século XX, considerou que o surgimento da teoria social se faz sob o signo da negatividade, isto é, o fato de tentar superar o conjunto de contradições sociais negando o conjunto de relações sociais existentes em favor de formas superiores de organização social, o que revela a contribuição do hegelianismo para a configuração doutrinal dessa disciplina.

Uma análise mais sistemática desses problemas sociais será proposta tanto por pensadores franceses, como o já citado Comte, como ingleses, entre os quais se destaca Herbert Spencer, adepto do evolucionismo e da seleção natural a Darwin. É nessa época que a sociologia deixa de lado os aspectos morais e filosóficos para penetrar em um campo mais “científico”, com estudos quantitativos sobre as sociedades humanas. Mas a influência da “biologia social” sobre essa disciplina ainda é muito forte, pois a sociedade é pensada como um corpo orgânico, cujos “membros” (os homens) precisam cumprir certas funções para o maior benefício do todo. A intenção seria o de construir a “paz social”, algo violentamente negado por Marx e seus seguidores, que veem no princípio da luta de classes o motor da história.

Nessa tradição, a sociologia aparece de fato como a ciência da luta de classes, mas os psicólogos sociais, sobretudo franceses (como Gustave Le Bon), buscam corrigir essa visão pela análise dos comportamentos humanos e das formas de sociabilidade. A fusão desses diferentes ramos das ciências sociais, inclusive o da história e o da economia, irá resultar numa das mais importantes obras já efetuados sobre o pensamento e o método da sociologia: a do pensador alemão Max Weber. Vindo da tradição da escola histórica alemã, mas também influenciado pelo marxismo (que ele procurará contestar), Weber deixa um importante legado que será recuperado por praticamente todos os sociólogos do século XX, a começar pelos funcionalistas e pelos comparatistas. Com Weber a sociologia emerge, realmente, como disciplina completa e dotada de métodos rigorosos, para servir, não mais uma causa política – reformista ou revolucionária, como tinha sido o caso até então – mas um objetivo de análise científica da sociedade.

Auguste Comte: um reformista social

Auguste Comte se vangloriava de ter libertado a análise da sociedade de suas origens filosóficas, dando-lhe status de ciência, ou de “filosofia positiva”, como ele preferia dizer. Ele vê essa passagem da religião para a metafísica e daí para a ciência positiva como um movimento ascensional, em direção de mais ordem e mais progresso para o homem em sociedade. Ele também é um reformista social, mas pretende que seu trabalho corresponde à verdadeira essência da sociedade moderna, enfim liberta das névoas do misticismo feudal e da metafísica dos antigos.

Comte era um verdadeiro continuador de Saint-Simon, pois que também via na tecnocracia e na revolução industrial os sinais precursores de uma nova sociedade. Ele foi, aliás, o inventor da palavra “sociologia”, que ele descrevia como o estudo científico da sociedade. Em sua época, estavam na moda os estudos administrativos, as “enquetes” sociais, sobre as doenças humanas, as causas da mortalidade, a vida dos trabalhadores, as raízes da criminalidade e muitos outros problemas “sociais”, que eram medidos, comparados, colocados em progressão.

Ele próprio fazia pouco uso desses novos métodos de investigação social, preferindo fundar a sua doutrina com roupagens prescritivas, mais até do que simplesmente interpretativas. Em outros termos, Comte pretendia estar no centro, não apenas de uma nova maneira de interpretar a sociedade, como igualmente de transformá-la em seus próprios fundamentos.

Karl Marx: um reformista radical com ares de revolucionário

Talvez Marx não tivesse plena consciência de “fazer sociologia”, mas toda sua obra, ainda na interpretação de vários mestres, como Raymond Aron, é basicamente uma sociologia convertida em princípio dinâmico da história. Apoiando-se na tradição filosófica alemã – sobretudo na dialética de Hegel – e nos historiadores franceses, Marx concebia a história em termos de luta de classes e de revolução. Para Marx, as lutas de classes eram o verdadeiro “motor da história”, como ele escreveu nos primeiros textos filosóficos e no Manifesto do Partido Comunista, em colaboração com seu amigo de toda a vida, Friedrich Engels. Marx, entretanto, subordina a política, isto é, a luta pela tomada do poder, à economia, já que ele atribuía as lutas de classes à situação de dominação provocada pelas forças econômicas predominantes na sociedade. A política seria uma espécie de superestrutura jurídica, ao passo que a infraestrutura material era formada pelas forças materiais, das quais as mais importantes eram as forças produtivas, isto é, econômicas. Segundo o progresso destas, ocorria uma mudança nas relações de produção, ou seja, entre os principais agentes econômicos dominantes em casa época (senhor e escravo, senhor feudal e servo, burgueses e proletários). Em certos trechos de sua obra, o Estado moderno aparece como um mero apêndice do capital, em outros textos pode existir certa independência do político (como na análise do bonapartismo).

Toda a obra de Marx está fortemente impregnada de filosofia da história e de sociologia, mesmo se não de forma explícita. Em todo caso, todo o aparelho conceitual da sociologia contemporânea já está presente na obra de Marx e nela tem raízes indisfarçáveis.

Noções como aparelho de Estado, luta de classes, dominação política, exploração econômica, infra e superestrutura e muitas outras, forjadas ou transformadas por Marx, fazem parte do instrumental analítico da sociologia contemporânea e foram consagradas até no vocabulário jornalístico. Mais até do que no trabalho propriamente intelectual, noções como as de “revolução” e de “luta de classes” penetraram nos movimentos sociais, sindicais e políticos e marcaram profundamente o caráter de nossa época, pelo menos até uma data relativamente recente. Mesmo o trabalho de sociólogos não comprometidos com a chamada “ruptura” com a sociedade de classes, como podem ter sido as atividades didáticas e de escritores como Max Weber e Raymond Aron, foi profundamente marcado pelas propostas políticas e pelos sistemas interpretativos oferecidos por Marx ao longo de sua obra. Esses autores, entre muitos outros, construíram suas obras respectivas num diálogo à distância, e até num certo confronto, talvez involuntário, com a sombra gigantesca de Marx.

Esse reconhecimento público em torno da grandiosidade da obra de Marx não é sem justificativa, por mais que se possa fazer críticas às colocações marxistas a respeito do poder político, da violência como “parteira da história”, da necessária superação do poder burguês pela ditadura do proletariado e de outras propostas desse mesmo teor. Foi Marx quem pretendeu “revolucionar” o mundo burguês de sua época, fundando um outro tipo de sociedade que deveria terminar por abolir o Estado e toda dominação de classe. Ideia certamente generosa, e idealista, essa, que, no entanto se chocou com toda a realidade da dominação pura e simples. Antes de ser de classe, o poder é simplesmente poder, dos mais capazes, dos mais fortes, ou dos mais preparados a exercê-lo, sendo que o poder de classe teve muito poucas manifestações concretas na história. Esse idealismo marxista, de aspirar a uma redenção da dominação política através de uma classe pretendidamente universal, que deveria ser o proletariado, revela o quanto de hegelianismo Marx ainda conservou na elaboração de sua interpretação sociológica da história.

O que restou do pensamento marxista, ademais dessa enorme contribuição à sociologia contemporânea, foi essa visão humanista da “libertação do homem” das amarguras da exploração capitalista e da dominação política de classe (feudal, em alguns casos, burguesa em outros). Que ele tenha se equivocado em várias predições – como a da crescente polarização social na sociedade capitalista e o aprofundamento da miséria operária – não eliminou o atrativo de seu pensamento para uma classe específica de “trabalhadores”: os intelectuais, ou seus modernos representantes, os acadêmicos e universitários.

Max Weber: um pensador sistemático

Max Weber começou sua carreira pelo estudo e a prática do direito, no final do século XIX, mas logo enveredou pela filosofia da história e pelo estudo comparado das religiões.

Sua tese de doutoramento foi sobre a história das companhias de comércio da Idade Média, o que o fez debruçar-se nas inúmeras conexões entre história econômica e direito. Logo em seguida, sua habilitação se deu numa tese sobre as instituições agrárias da antiguidade, o que despertou a admiração do grande historiador alemão dessa época, Theodor Mommsen.

Weber teve uma carreira essencialmente acadêmica, entrecortada por problemas psíquicos e muitas viagens fora da Alemanha, mas a partir do início do século XX ele dá início a uma produção sistemática de estudo comparado das religiões e sobre a estrutura da sociedade capitalista, que ele examinou tanto pelo lado da racionalidade econômica como pela vertente da administração burocrática. Ainda que admirador do sistema político alemão e da sua eficiência econômica, ele também colocou seu país em contraste com a América democrática, concluindo pelo bom desempenho das associações livres entre os homens e o vigor da inovação técnica numa sociedade aberta.

Ele colocou essas situações em contraste com os problemas da sociedade russa, convulsionada por revoluções e incapaz de se reformar.

Sua viagem aos Estados Unidos permitiu-lhe recolher material suplementar para seu estudo já iniciado sobre a influência do fator religioso na evolução da sociedade, o que resultou em sua obra mais conhecida A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Muita polêmica se deu em torno das principais teses dessa obra, que, no entanto não era apresentada por Weber como indicativa de uma correlação causal entre o protestantismo e o capitalismo, mas tão somente como reveladora de certas afinidades eletivas entre certos comportamentos religiosos, presentes em algumas seitas protestantes, e formas de organização social que tendiam a favorecer o referido espírito capitalista (frugalidade, predestinação, não rejeição do sucesso material, não aversão ao lucro, como na tradição católica, mas também a separação dos assuntos religiosos da condução do Estado).

Participando ativamente dos trabalhos de uma associação de ciências sociais, a partir de 1908, Weber estimulou os estudos sistemáticos sobre grupos sociais, desde ligas esportivas, a seitas religiosas e partidos políticos. Datam desta época seus estudos que depois seriam reunidos no volume Economia e Sociedade, embora ele tenha elaborado, igualmente, trabalhos sobre a metodologia das ciências sociais que ainda hoje possuem validade para uma reflexão sobre o estatuto da sociologia no conjunto das disciplinas científicas. Foi nas diversas partes de Economia e Sociedade que Weber aprofundou sua análise sistemática do poder e da burocracia, assim como sobre esses instrumentos analíticos que foram por ele chamados de “tipos-ideais”, isto é, estruturas arquetípicas de um determinado fenômeno social que recolhe elementos da realidade em suas definições mais generalizantes e puramente abstratas.

Ainda que expressos de maneira abstrata, os tipos-ideais poderiam referir-se a elementos históricos concretos e particulares, como por exemplo, a racionalidade ocidental (em oposição a valores das civilizações do Oriente), ou a cidade-estado moderna, ou ainda o próprio capitalismo, tal como ele se desenvolveu na Europa ocidental e foi transplantado para a América. Mais relevante ainda, e até hoje usados na ciência política, sua designação dos tipos-ideais de dominação política, como sendo de natureza carismática, tradicional ou racional.

Weber possui muitos outros escritos, de natureza política, de reflexão sobre a prática da política, assim como sobre os regimes políticos contemporâneos na Alemanha e na Rússia, mas seu legado principal deve ser considerado essencialmente como um pensador da teoria sociológica em suas formulações analíticas – por ele designada como Vertehen, ou compreensão –, inclusive em bases comparativas. Nisso, como observou Raymond Aron, ele estava muito longe de Auguste Comte, que tentava ver na sociologia um conjunto de leis que permitisse organizar e dirigir a sociedade. Ele achava que as ciências sociais deveriam sempre buscar aproximar-se do ideal de compreender o mundo, sem que se tivesse, entretanto a ilusão de compreendê-lo em sua totalidade, inclusive por uma questão de cunho prático, o problema dos valores do pesquisador, que interferem na sua maneira de ver o seu objeto de análise.

Émile Durkheim: um funcionalista prático

Durkheim é o primeiro grande sociólogo sistemático do século XX, tendo formulado as bases da análise social com um rigor próximo do “cientismo”, então em vigor na academia. Ele começou sua carreira acadêmica com uma tese de doutoramento que está na base da reflexão sobre a vida em sociedade: a divisão social do trabalho.

Ele rejeitava as explicações de tipo individual ou psicológico para expor um fenômeno básico da vida em sociedade, que é a da crescente integração entre os atores sociais, a despeito mesmo do declínio dos valores religiosos e dos laços de solidariedade (típicos das comunidades menores). A divisão social do trabalho, no entanto, não é apenas encontrada nas sociedades complexas: ela já existe nas sociedades primitivas, mas assume aqui a forma de divisão sexual do trabalho. Mas é na sociedade moderna, com seu regime fabril, que a divisão se aperfeiçoa em alto grau, com base na especialização profissional. Durkheim não deixa de traçar um paralelo entre essa evolução e a diferenciação nos organismos, para formas cada vez mais complexas. Nas sociedades, ele vê a passagem da solidariedade mecânica, típica dos estágios mais elementares da vida em sociedade, para a solidariedade orgânica, mais estruturada e denotando formas superiores de coesão social.

Esse tipo de análise é reencontrado no estudo de Durkheim sobre o suicídio, que explora os casos patológicos de anomia, mas ele ainda aqui tende a enfatizar mais a ação dos fatores sociais do que psicológicos na determinação dos casos de suicídio. Ele chega a determinar três tipos de suicídio: egoísta, altruísta e anômico, sendo que as taxas relativas dependem da idade e do sexo e variam conforme as religiões (ele encontrou uma maior incidência nos indivíduos protestantes do que nos católicos).

Para ele, os fatos sociais devem ser considerados como “coisas” – das formas mais elementares do culto religioso, que ele exemplifica pelo totemismo (ele seleciona como estudo de caso o totemismo australiano). As principais categorias utilizadas por ele nessa análise são as de sagrado e profano, que ele recupera de Fustel de Coulanges. Como na análise da divisão social do trabalho, o que está em causa é mais o coletivo social, do que o indivíduo no plano psicológico.

A obra de Durkheim continuou a marcar e a influenciar as teorias sociológicas modernas, talvez mais pelo lado do método do que pela vertente de suas interpretações, que podem ter sido influenciadas pela época, com sua forte ênfase na organicidade, na anomia e na patologia e nos princípios morais e valores religiosos.
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Assista ao vídeo superinteressante, elaborado pelo Professor Rodolfo Neves, pelo seu programa História Online, retratando os conceitos de Auguste Comte.


domingo, 13 de maio de 2012

LINGUAGEM VISUAL


Linguagem visual é a criação de uma imagem para comunicar uma ideia. A linguagem americana de sinais é um exemplo de linguagem visual.

Problematizando o campo

Para melhor definir o objeto da pesquisa, proponho uma tentativa de conceituar o campo da linguagem visual. Nossa intenção é apontar algumas das contribuições ao campo, sem pretensão de esgotar o assunto.

Acreditamos que a formação da ideia de apreciação espontânea e de sensibilidade inata está baseada no modo peculiar como nossa cultura encara o ato de ver.

A primeira experiência pela qual passamos, ainda quando crianças, no processo de aprendizagem acontece pela consciência tátil. Além desse conhecimento, incluem-se nesse processo o olfato, a audição e o paladar, proporcionando-nos um intenso contato com o meio ambiente no qual estamos inseridos. Esses sentidos são rapidamente intensificados pela visão – capacidade de ver, reconhecer e compreender, em termos visuais, os fenômenos que nos cercam.

O processo da visão requer de nós pouca ação, pois os mecanismos fisiológicos são automáticos no sistema nervoso do homem. Não nos espanta o fato de que, a partir da visão, recebemos uma enorme quantidade de informações, de todas as maneiras e em diversos níveis. Praticamente, desde nossa primeira experiência no mundo, passamos a organizar nossas necessidades e nossos prazeres, nossas preferências e nossos temores, com base naquilo que vemos ou que queremos ver. É impossível definir com exatidão a importância que o sentido visual exerce sobre nossa vida. Nós o aceitamos sem nos darmos conta de que ele pode ser aperfeiçoado ou ampliado até se converter num incomparável instrumento de conhecimento humano.

O perigo de pensarmos que todas as ações da visão são naturais e atuam sem esforço, e que, por isso mesmo, não precisamos estudá-las nem aprender como efetuá-las, nos leva a esquecer de que qualquer imagem visual, realizada pelo homem, é influenciada pelos condicionamentos culturais e pelo ambiente em que ela foi produzida. Ver envolve algo mais do que o ato da percepção espontânea, pois é também ato sociocultural, parte integrante do processo de cultura que  abrange várias das considerações relativas à vida social.

Essa discussão tem mais sentido se pensarmos no seguinte fato: o mundo moderno produziu uma revolução importante com a invenção, difusão e novas possibilidades de reprodutibilidade mecânica, eletrônica e computacional da imagem trazendo fortes transformações no modo de vida das sociedades. Com respeito à reprodutibilidade, as técnicas de reprodução são, todavia, um fenômeno novo, de fato, que nasceu e se desenvolveu no curso da história, mediante saltos sucessivos, separados por longos intervalos, mas num ritmo cada vez mais rápido.

Com a litografia (gravura em pedra), as técnicas de reprodução marcaram um progresso decisivo, porque esse processo permitiu, pela primeira vez, que as artes gráficas pudessem entregar-se ao comércio de imagens em série.

Decorridas poucas décadas após o aparecimento da litografia, o surgimento da fotografia, em 1826, viria superar todas as possibilidades anteriores de reprodução das imagens. A partir dos processos fotográficos até as possibilidades infográficas de hoje, a produção e reprodução de imagens puderam se efetuar num ritmo cada vez mais acelerado.

Essas transformações nos colocam a seguinte questão: sabemos que com o aperfeiçoamento da imprensa e as possibilidades de multiplicação da escrita, a partir do século XV, houve um forte desenvolvimento e expansão da linguagem escrita que possibilitou, ao longo dos últimos séculos, que as sociedades ocidentais atingissem um alto grau de alfabetismo verbal. Para que sejamos considerados verbalmente alfabetizados, é preciso que tenhamos aprendido os componentes básicos da linguagem escrita: as letras, as palavras, a ortografia, a gramática, a sintaxe e a semântica. Dominando a leitura e a escrita, o que podemos expressar com esses elementos é ilimitado. Uma vez dominando a técnica, podemos produzir uma infinita variedade de soluções para os problemas da comunicação verbal, como também podemos criar um estilo pessoal. No plano social, o alfabetismo verbal significa que um grupo compartilha o significado atribuído a um corpo comum de informações, podendo ser alcançado num nível simples de realização e compreensão de mensagens escritas, e podemos caracterizá-lo como um instrumento.

Se a difusão da tipografia possibilitou o alfabetismo verbal, sem dúvida a invenção e a popularização dos meios mecânicos de produção da imagem que não cessam de se desenvolver neste século, colocam em discussão o “alfabetismo visual”, ou seja, a capacidade de ler e de se expressar na linguagem visual.

Durante o século XX, assistimos a uma transformação significativa nos meios de comunicação modernos: a mensagem visual tem predominado sobre a mensagem verbal, e a maior parte das coisas que sabemos, aprendemos, acreditamos, reconhecemos e desejamos quase sempre é determinada pelo domínio que a imagem exerce sobre nós.

Contudo, apesar de tais transformações, propor a leitura ou a interpretação da imagem, pode parecer suspeito na maioria das vezes e provocar reticências sob vários aspectos.

·      Primeiro aspecto

O que dizer de uma mensagem – principalmente a figurativa, em virtude da rapidez de sua percepção visual – que aparentemente e em simultaneidade reconhece o conteúdo de uma imagem, pois este parece "naturalmente" legível? Essa primeira negação à leitura da imagem gera a ideia de uma suposta “universalidade” da imagem visual. É certo que existem, para a humanidade inteira, esquemas mentais e representativos universais, arquétipos ligados à experiência comum a todos os homens.
Entretanto, deduzir que a leitura da imagem é universal revela uma confusão de conceitos.

A confusão é frequentemente feita entre percepção espontânea e leitura/interpretação. Reconhecer esta ou aquela configuração não significa que se esteja compreendendo a mensagem da imagem, que pode ter uma significação bem particular. É patente na percepção espontânea o fato de as pessoas adotarem, para a apreensão da imagem, os mesmos esquemas sensoriais, intelectuais, realistas, funcionais e referenciais que lhes servem na vida cotidiana. Adotam o esquema realista, quando no lugar de ver nas coisas representadas um simples pretexto para um quadro, veem, sobretudo, a representação das coisas e tendem a medir a qualidade de uma imagem pela fidelidade quase fotográfica e pelo interesse anedótico próprio à coisa representada, preferindo o ilusionismo, a aparência enganadora, e rejeitando qualquer forma de abstração.

Assim, reconhecer motivos nas mensagens visuais e interpretá-los são duas operações mentais diferentes e complementares. O estudo da linguagem visual tem por objetivo, exatamente, a interpretação de possíveis significações que a “naturalidade” aparente das mensagens visuais implica. As ideias de apreciação espontânea e sensibilidade inata são perigosas porque impedem uma relação mais elaborada com a obra, esforço este que é necessário para um contato mais rico com a imagem.

·      Segundo aspecto

Ele pode ser reconhecido nas seguintes frases: o artista tinha intenção de dizer tudo isso? Será que a leitura não “deforma” a mensagem? Não seria a interpretação própria de cada receptor? Que a imagem seja uma produção consciente e inconsciente de um sujeito é um fato, que ela mobilize tanto a consciência quanto o inconsciente de um observador é inevitável; porém, interpretar uma mensagem visual, analisá-la, não consiste somente em tentar encontrar uma mensagem preexistente, mas em compreender o que essa mensagem provoca de significações no momento em que se está com a imagem, ao mesmo tempo em que se deve separar o que é leitura pessoal do que é coletiva.

·      Terceiro aspecto

Refere-se à imagem artística. É nos dito que qualquer leitura seria equivocada, porque a arte não seria da ordem da inteligência, mas da do afetivo e do emotivo. Esse pensamento tem como pressuposto que o campo da arte é considerado bem mais dependente da expressão do que da comunicação. Ora, enquanto a obra de arte permaneceu anônima, isso indicava que ela estava a serviço de uma religião ou de uma política e, portanto, sempre interagindo com o contexto social do qual é parte integrante.

Mesmo assim, dentro desse quadro existem controvérsias sobre a imagem visual ser ou não uma linguagem. A postura de que a imagem não é uma linguagem toma como referência a linguagem verbal, enquanto sistema fixo e abstrato.

Teoria de Langer

O conceito de “ação simbólica” da obra de arte constitui o núcleo fundamental das várias elaborações teóricas de Langer, que entende a imagem artística como criação de formas simbólicas do sentimento humano. A imagem artística consiste, portanto, em uma comunicação através de símbolos não discursivos e, por isso, indivisíveis, ao contrário da linguagem verbal, que funciona através de símbolos discursivos convencionais referentes ao mundo.

A imagem, para Langer, não é uma linguagem no sentido de um sistema de comunicação que se constrói com elementos, cada um possuindo sua própria significação independente, como no caso das palavras. A arte, no pensamento da autora, é “apresentativa” e não, representativa, e seus símbolos repetem alguns esquemas da vida afetiva, porque simbolizam essencialmente aspectos do sentimento. Assim, a imagem, principalmente a arte, é um símbolo que não simboliza outra coisa senão a si mesma, mas que reproduz, na própria forma visual, a estrutura ou padrão do sentimento e da emoção. A imagem artística permite conceituações, mas não funciona como uma linguagem, porque é articulação de um sentimento e não, de um pensamento. Ela estabelece uma relação de comunicação com o público num sentido não estrito. Sendo simbólica e, portanto, não discursiva, o apreciador responde a ela encontrando o seu significado em um sentimento. Vejamos o que diz a autora:

“... – o conceito de arte como um tipo de ‘comunicação’. Ele apresenta seus perigos porque, com base numa analogia com a linguagem, espera-se naturalmente que a ‘comunicação’ seja entre o artista e sua audiência, o que creio ser uma noção enganosa. Mas existe algo que pode, sem o perigo de excessiva literalidade, ser chamado de “comunicação pela arte”’, a saber, o informe que as artes fazem de uma época ou nação às pessoas de outra. Nenhum registro histórico poder-nos-ia contar em um milhar de páginas a mente egípcia quanto uma visita a uma exposição representativa da arte egípcia [...]. Nesse sentido, a arte é uma comunicação, mas não é pessoal nem deseja ansiosamente ser entendida.” (LANGER, 1980)”.

A linguagem verbal aqui enfocada é sucessora da tradição que vê a linguagem como um sistema abstrato, formal, independente de seu uso. Considera-se, portanto, que a significação é totalmente subordinada e determinada pelo funcionamento do sistema linguístico. Nessa tradição, uma das características da linguagem é possuir “equivalências fixas” e “unidades permanentes de significação”. Nesse sentido, a autora afirma:

“A fotografia, portanto, não tem vocabulário. O mesmo é obviamente verdadeiro com respeito à pintura, ao desenho etc. Existe, sem dúvida, uma técnica de pintar objetos, mas a lei que governa a referida técnica não pode chamar-se propriamente de
“sintaxe”, pois não existem quaisquer itens que possam ser denominados, metaforicamente, as “palavras” da retratação. “Uma vez que não temos palavras, não pode haver dicionário de significados para linhas, sombreados ou outros elementos da técnica pictórica.” (LANGER, 1971).

Observe-se que o modelo de linguagem verbal que serve de parâmetro para as concepções de Langer acerca da linguagem é extremamente limitado, não sendo adequado para a compreensão quer do uso da língua nas interações cotidianas, quer das demais linguagens.

Os teóricos seguidores dessa linha de pensamento estudam a linguagem verbal considerando válido apenas o estudo daquilo que é sistemático e invariável, que não se desenvolve no tempo e que permanece relativamente fixo, sendo, portanto, possível de ser descrito por meio de regras e de “dicionários de significados”. Contudo, tendências mais recentes no campo da linguística tomam como objeto de estudo a linguagem em uso, tornando centrais o contexto e a intenção e colocando em pauta, entre outras questões, os processos de compreensão, interpretação e negociação do sentido, explicitando, inclusive, o papel dos conhecimentos de mundo e das inferências na significação. Nesse quadro, considera-se a linguagem como essencialmente ambígua e indeterminada, de modo que a significação não se esgota no próprio funcionamento do sistema linguístico abstrato, embora, sem dúvida, deste dependa.

Conhecendo a linguagem visual, estaremos em melhores condições para analisar e compreender, em maior profundidade, uma das ferramentas efetivamente predominantes na comunicação contemporânea: a imagem visual.

Teorias da linguagem visual

Ainda predomina a ideia difusa de que as imagens visuais, principalmente as artísticas, constituem um domínio exclusivo da intuição subjetiva e pertencem mais ao terreno da expressão do que ao da comunicação. Somente mais recentemente tem sido discutido que na verdade, a imagem visual é produto de um saber extremamente complexo, do qual temos, infelizmente, um conhecimento muito reduzido. A maioria dos educadores ligados às artes plásticas, principal campo produtor de imagens visuais até o século passado, herdou uma devoção de vivenciar a arte através do fazer, de uma maneira não intelectualizada. Essa herança, recebida na prática de ateliê, está presente no universo das artes visuais (escola, mercado de arte, senso comum) há algum tempo.

A visão da arte como expressão dos sentimentos surgiu com o Romantismo, movimento artístico do final do século XVIII e da primeira metade do século XIX, na Europa. 

O Romantismo teve como característica o abandono dos ideais clássicos da razão, da ordem e da harmonia, em favor da valorização da emoção, da imaginação e da hegemonia da sensibilidade, postulando que antes de compreender é preciso sentir. O sentimento constitui, no pensamento romântico, a grande mola propulsora não apenas da arte, mas da própria humanidade. Para o Romantismo, a mais pura espontaneidade é a força que gera a criação genial, produzida por um dom natural ou inato. Valorizando o culto ao gênio e à livre-expressão, esse movimento iniciou a mistificação de que a atividade artística independe totalmente de uma ação pedagógica, pois tal atitude depende da inspiração. Ainda hoje, no sentido comum, arte é “expressão”, “emoção”, “prazer”, “sentimento”.

Nos tempos modernos ou pós-românticos, a teoria da expressão assumiu a forma modificada de que o artista deveria ser capaz de representar pelo meio que escolheu o sentimento interior, a qualidade subjetiva experimentada em situações emocionais reais, recordadas ou imaginadas, que não poderiam ser transmitidas pela linguagem comum. E, assim, definia-se a arte como uma linguagem das emoções. A moderna teoria passou a afirmar que as boas obras de arte eram aquelas que possuíam maior precisão na expressão das emoções, confirmando que o conteúdo da obra, a mensagem ou o que ela diz, está intimamente ligado à forma que não poderia ser expressa de outro modo.
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Vídeo bastante interessante, estabelece a diferença entre linguagem verbal e visual, criados pelos Comunicadores na Web.


domingo, 6 de maio de 2012

DIREITO URBANÍSTICO


Direito Urbanístico é o ramo do Direito que trata da ocupação, uso e transformação do solo, e
englobando mais do que o território das cidades, o território urbano propriamente dito.

Introdução  Urbanismo x Direito

A disciplina urbanística é hoje um dos imperativos mais prementes da civilização, em face da crescente urbanização e, especificamente no Brasil, o crescente processo de urbanização descontrolado.

Emprega-se o termo urbanização para designar o processo pelo qual a população urbana cresce em proporção superior à população rural. Não se trata de mero crescimento das cidades, mas de um fenômeno de concentração urbana.

A urbanização da humanidade é um fenômeno moderno da sociedade industrializada, fruto mesmo da revolução industrial. Ao nos referirmos às cidades, logo visualizamos os grandes centros em que se aglomeram fábricas e serviços, atividades necessariamente desvinculadas do produto natural da terra, este, ao contrário, objetivo principal das atividades do campo.

A população urbana no Brasil representa, progressivamente, 32% em 1940, 45% em 1960, 50% em 1970, atingindo 70% em 1980 e 80% em 2000, revelando a urbanização crescente, porém prematura e despreparada.

Em verdade, “o fenômeno urbano, aqui e alhures, é constatado como um daqueles em que é preciso disciplinar e conformar para que o homem não se veja engolfado pela civilização do caos que se avizinha, na visão dos futurólogos e dos filósofos do nosso tempo”.

O urbanismo é, pois, uma ciência que se ocupa do fenômeno urbano, tratando-o a partir de seus preceitos e parâmetros. Leopoldo Mazzaroli definiu o urbanismo, do ponto de vista técnico, como “a ciência que se preocupa com a sistematização e desenvolvimento da cidade buscando determinar a melhor posição das ruas, dos edifícios e obras públicas, de habitação privada, de modo que a população possa gozar de uma situação sã, cômoda e estimada”.

Esta concepção restringia-se aos limites da cidade em que o urbanismo começa a abranger a cidade e o campo, preocupando-se com algo mais que os aspectos meramente físicos do território.

A partir daí, o urbanismo deixa de ser mera disciplina da cidade e passa para projetos de estruturação regional e, posteriormente, os planos nacionais de um país.

Tal concepção moderna deve-se ao reconhecimento de que a cidade não é entidade com vida autônoma, destacada e isolada no território. Em verdade, o urbanismo ultrapassa os limites da cidade para englobar um território inteiro, que se influencia mutuamente, devendo, pois, ser estudado de forma sistêmica e conjugada.

Torna-se, assim, o urbanismo, em razão da escola racionalista ou funcional representada por Le Corbusier, na “ciência da organização do espaço, para além das restritas
fronteiras das cidades.”.

E conceitua o próprio Le Corbusier:

"O urbanismo é a gestão dos lugares e várias instalações que devem valorizar o desenvolvimento da vida material, sentimental e espiritual em todas as suas formas, individuais ou coletivas. Abrange tanto os centros urbanos e agrupamentos rurais. O urbanismo já não pode mais estar apenas sujeito às regras de esteticismo gratuito. É, pela sua essência, de ordem funcional, há três funções fundamentais para a realização que deve garantir o urbanismo:

1º Habitação;
2º Trabalho;
3ª Recreação.

Seus objetos são:

a) uso da terra;
b) a organização do movimento;
c) legislação.

As três funções fundamentais acima indicadas não se veem favorecidas pelo estado atual das multidões. Devem ser recalculadas as relações entre os diversos lugares dedicados a elas, de modo a determinar uma justa proporção entre os volumes construídos e os espaços livres. Deve-se reconsiderar o problema de movimentação de solo, o resultado das divisões, vendas e especulação, deve ser substituída por uma economia básica de agrupamento capaz de responder às necessidades presentes, garantir aos proprietários e às comunidades presentes, garantir aos proprietários e à comunidade a partilha equitativa dos benefícios resultantes do trabalho de interesse comum”.

A inevitável incidência das diversas ciências no estudo e disciplina do fenômeno urbano leva a crer que o jurista ou arquiteto sozinho, não mais resolvem os problemas da cidade, porque convergem, na solução deles, conhecimentos sociológicos especializados, geográficos, estatísticos, de engenharia sanitária, de biologia, de medicina, e, sobretudo políticos e econômicos.

A matéria urbanística é, assim, necessariamente interdisciplinar e infinitamente rica em aspectos.

Em verdade, o conceito de urbanismo “tem uma natureza polissêmica, já que comporta uma pluralidade de sentidos”. Dentre esses sentidos ou acepções, um jurista português destaca quatro: o urbanismo como fato social, como técnica, como ciência e como política. Seriam estes os sentidos fundamentais do “urbanismo”, que delineiam seu entendimento.

Como fato social, o urbanismo expressa o fenômeno do crescimento das “urbes” ou das cidades. A atração que as cidades promovem sobre as populações originariamente rurais e o consequente aumento contínuo da população nos centros urbanos está na base da urbanização, conforme conceituamos anteriormente.

Discute-se qual seriam os critérios para definir que uma determinada região detém o título de “cidade” ou centro urbano.  Critérios como a densidade populacional por quilômetro quadrado, ou ainda a forma predominante da atividade econômica, uma vez considerados isoladamente não representam elementos exaustivos do conceito de cidade.

As Nações Unidas, bem como inúmeros autores que optaram por esse conceito, define população urbana como a que reside em localidades com pelo menos 2000 habitantes. Qualquer que seja o critério, todos levam à identificação da cidade, auxiliando na reflexão de seus problemas.

Além de ser um fato social, o urbanismo é uma técnica de criação, desenvolvimento e reforma das cidades. Urbanismo, nesse caso, é sinônimo de técnica urbanística. Atualmente, todo projeto de urbanismo exige estudos baseados no trabalho de especialistas das mais diferentes matérias, cada vez mais fragmentadas e mais precisas e seu resultado refletirá a convergência de todos esses conhecimentos.

Além de ser uma técnica, o urbanismo também passou a ser apresentado como uma ciência autônoma, surgida na Europa no período que medeia entre finais do século XIX e a 1ª Guerra Mundial.

O urbanismo é, em resumo, elemento de importante transformação das cidades, promovido através de atividades próprias, destinadas a aplicar seus princípios e realizar seus fins.

A doutrina é unânime na afirmação de que esta nova ciência assume uma natureza eminentemente interdisciplinar.

Como técnica e ciência interdisciplinar, o urbanismo correlaciona-se com a cidade industrial, como instrumento de correção dos desequilíbrios urbanos, nascidos da urbanização e agravados com a chamada explosão urbana do nosso tempo.

O Direito é, também, uma das ciências que regula o fenômeno do urbanismo, lançando sobre este seus elementos, conceitos e princípios.

A ciência jurídica manifesta-se objetivamente em suas normas, adota os conceitos e as abordagens de outras ciências e cria sobre elas sua própria concepção, enquadrando o fenômeno urbano com o fim de adequá-lo, transformando-o de forma que atenda aos seus objetivos e aos anseios dos que lhe legitimam.

Urbanismo vem de “urbes”, cidade. O conceito de urbanismo guarda, assim, independência e peculiaridade do conceito de Direito Urbanístico.

Tratam, em verdade, de duas ciências cujo objeto de estudo é o mesmo, porém, avaliado sob óticas peculiares. Ambas se debruçam sobre o fenômeno urbano, propriamente sobre a utilização do espaço nos centros urbanizados e rurais.

Neste contexto, o fenômeno urbano, como objeto de estudo científico, leva o pesquisador à busca multidisciplinar, para o atendimento da demanda de soluções imediatas, exigência que se observa de forma ainda mais evidente nos países com baixo índice de desenvolvimento, como é o caso do Brasil.

O urbanismo apresenta-se, assim, como uma ciência compósita, que vai buscar conhecimentos a várias ciências, tais como a geografia, a arquitetura e a técnica de construção, a estatística, a ciência econômica, a ciência política, a ciência administrativa, a sociologia, a história, a ecologia humana, e, inclusive, a própria medicina, com o objetivo de possibilitar um desenvolvimento harmonioso e racional dos aglomeramentos humanos.

Direito Urbanístico é o conjunto da disciplina jurídica, notadamente de natureza administrativa, incidente sobre os fenômenos do urbanismo, destinada ao estudo das normas que visem a impor valores convivenciais na ocupação e utilização dos espaços habitáveis.

Os princípios constitucionais e a autonomia do Direito Urbanístico

As normas urbanísticas ainda não adquiriram unidade substancial, formando conjunto coerente e sistematizado legislativamente. Encontram-se dispersas em diversas leis e apenas guardam, entre si, conexão puramente material em função do objeto regulado. Para identificá-las, torna-se necessário estabelecer com precisão qual é esse objeto, que vem a ser o próprio objeto do Direito Urbanístico.

O Direito Urbanístico é um “conjunto de técnicas, regras e instrumentos jurídicos, sistemáticos e informados por princípio apropriados, que tenha por fim a disciplina do comportamento humano relacionado aos espaços habitáveis, ou seja, arte e técnica social de adequar o espaço físico às necessidades e à dignidade da moradia humana”.

A Constituição Federal do Brasil menciona o Direito Urbanístico que trata das competências concorrentes da União, Estados e Distrito Federal o que, para alguns autores, indica a autonomia da matéria no contexto da ciência jurídica.

A matéria de direito urbanístico encontra relevante disposição no art. 182 que trata da política de desenvolvimento urbano executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, com o objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Nesse contexto, fica evidente que “o princípio da função social da propriedade constitui o núcleo central do Direito Urbanístico”.

Outros são, ainda, os princípios constitucionais que conferem ao Direito Urbanístico autonomia e relevância material.

Destacamos o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da igualdade.

O princípio da dignidade da pessoa humana reveste-se do entendimento atual de que o ser humano deverá ser respeitado por se tratar, simplesmente, de um ser humano. É de tal relevância o princípio da dignidade da pessoa humana que na elaboração da nova Carta Constitucional da União Europeia tal preceito encontra-se à frente mesmo do direito à vida. Não é dever garantir-se apenas a vida, mas a vida com dignidade.
Considerando o respeito pelas virtudes e qualidades humanas, o Direito Urbanístico, uma vez voltado ao desenvolvimento das técnicas de ordenação dos territórios e utilização social da propriedade, apresenta-se como ciência das mais relevantes para a concretização do direito à dignidade da pessoa humana.

Não há dignidade sem moradia, sem condições de habitação, sem instrumentos urbanos que garantam a circulação, o lazer e o trabalho.

O Direito Urbanístico é fundado, ainda, no princípio da igualdade. É, pois, um direito fundamental do cidadão brasileiro. Considerando a vinculação da Administração Pública ao princípio da igualdade, esta deve se traduzir na elaboração e aprovação de planos que estabelecem regras respeitantes à ocupação, uso e transformação do solo urbano ou rural. A todo cidadão deve estar garantido, igualitariamente, o acesso à cidade.

Mas é com a Lei Federal n. 10.257/2001, o “Estatuto da cidade” que fica definitivamente consolidada a chamada “Ordem Urbanística”, entendida como conjunto de normas de direito urbanístico, ramo autônomo na disciplina jurídica.

De fato, vislumbramos progressivo incremento das normas que visam ordenar o uso e a propriedade do solo. Tal preocupação pode ser justificada, no caso do Brasil, pela extrema da situação de risco que apresentam as cidades mais populosas do nosso país. Interessante observarmos, nesse aspecto, a lição de Fernando Garrido Falla, que, avaliando as razões para a numerosa literatura sobre direito urbanístico e regime do solo.

Para o referido jurista, a escassez do solo, como a escassez de qualquer recurso natural, justifica a ordenação jurídica do seu uso e consumo. Assim, o planejamento do uso do solo é necessário para conseguir um equilíbrio entre a demanda e a oferta.

A qualidade de vida pode, ainda, efetivamente ver-se deteriorada pela concentração populacional em determinados lugares. A busca pela qualidade de vida é, então, justificativa para que se ditem medidas limitadoras da densidade máxima de edificações por área, volume por superfície, entre outras.

A proteção do meio ambiente, intimamente ligada ao elemento anterior, também representa forte argumento para a regulamentação do solo. Desta feita, não só os habitantes atuais, mas para as gerações futuras devem ser, desde já, protegidas de um meio ambiente degradado.

No que pertence, ainda, às medidas de aproveitamento e utilização do solo, estas estão inspiradas na finalidade de combater a especulação e proteger o usuário do solo, uma vez que este se trata de bem primário para a construção da vida do cidadão.

As justificativas elencadas, segundo o ensinamento do professor Falla, reúnem-se, em nossa avaliação, com os princípios constitucionais do Estado Brasileiro e reafirmam-se na vontade do legislador constituinte.

É o que se depreende dos artigos 24, que conferiu expressamente à União competência legislativa para editar normas de Direito Urbanístico, aos Estados competência suplementar e aos municípios competência para editar normas de Direito Urbanístico de interesse local.

Além disso, cumprirá ao Direito Urbanístico, “servir à definição e implementação da “política de desenvolvimento urbano”, a qual tem por finalidade “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem – estar de seus habitantes””.

Desta feita, “o Direito Urbanístico é uma disciplina jurídica que a cada dia ganha foros de desenvolvimento, justamente porque a cidade, essência do urbanismo, e onde tal Direito incide, exige diuturnamente a sua participação, quer seja buscando compor litígios, quer seja oferecendo os instrumentos necessários para que o Poder Público e o particular possam encontrar formas de convivência no âmbito dos seus interesses”.

Ressalte-se que no Direito Urbanístico “não se entende a expressão urbano como oposição ao que é rural. Ao mecanismo evidentemente dinâmico da cidade soma-se a atividade peculiar do campo, integrando-se de modo a se formar uma única comunidade, que é produto natural, de ordem física, moral e mental”.

Comungam do entendimento de que o Direito Urbanístico é ramo autônomo do Direito vários dos mais conceituados juristas brasileiros. A posição contrária, por sua vez, atrai outros tantos juristas da mais alta respeitabilidade.

Simpatizamo-nos com a posição de que o Direito Urbanístico é ramo autônomo do Direito, uma vez que este possui princípios e disciplina próprios, ampliados com a aprovação do Estatuto da Cidade, apesar de guardar larga identidade com o Direito Administrativo.

Dessa forma, “não há mais como negar a autonomia acadêmica e político – institucional do Direito Urbanístico, não só pelas referências explícitas feitas ao ramo do Direito na Constituição Federal de 1988, mas também pelo fato de que foram claramente cumpridos todos os “critérios” tradicionalmente exigidos para o reconhecimento da autonomia de um ramo do Direito: o Direito Urbanístico tem objeto, princípios, institutos e leis próprias”.

Objeto do Direito Urbanístico

O Direito Urbanístico objetivo (conjunto de normas) tem por objeto regular a atividade urbanística, disciplinar a ordenação do território. Visa “precipuamente a ordenação das cidades, mas os seus preceitos incidem também sobre as áreas rurais, no vasto campo da ecologia e da proteção ambiental, intimamente relacionadas com as condições da vida humana em todos os núcleos populacionais, da cidade e do campo”.

É o ramo do Direito que visa a promover o controle jurídico do desenvolvimento urbano, isto é, dos vários processos de uso, ocupação, parcelamento e gestão do solo nas cidades.

O Direito Urbanístico como ciência, é “ramo do direito público que tem por objeto expor, interpretar e sistematizar as normas e princípios; vale dizer: estabelecer o conhecimento sistematizado sobre essa realidade jurídica”.

Ainda, manifestam-se dois aspectos do Direito Urbanístico:

·      o Direito Urbanístico objetivo, que consiste no conjunto de normas jurídicas
reguladoras da atividade do poder público destinada a ordenar os espaços habitáveis,
o que vale dizer: conjunto de normas jurídicas reguladoras da atividade urbanística;

·      o Direito Urbanístico como ciência, que busca o conhecimento sistematizado
daquelas normas e princípios reguladores da atividade urbanística.”

Conclusões

No que tange à matéria abordada no presente artigo, concluímos que o Direito Urbanístico ou Direito do Urbanismo é disciplina autônoma do Direito, uma vez que tem por objeto um conjunto de normas específicas, voltadas para a realização e aplicação de princípios norteadores próprios e princípios constitucionais, bem como nomenclatura, objeto e tratamento individualizados.

Não se trata, dessa feita, de nova matéria, mas de matéria amadurecida ao longo do despertar legislativo e doutrinário, bem como de disciplina necessária para o tratamento de fatos sociais irredutíveis.

O operador do direito está, assim, diante de uma disciplina que reúne especialistas de diversas áreas da ciência atual, bem como da ciência jurídica.

A disciplina do Direito Urbanístico está, igualmente, diretamente ligada ao Direito de Propriedade. O Direito de propriedade, como visto, objeto de proteção e de disputa ao longo da história do mundo ocidental, passa por momento de “coletivização”. Isso significa que seu conteúdo não mais se justifica pela utilidade que proporciona a um indivíduo, o proprietário, mas a toda a sociedade.

No sistema jurídico brasileiro isso está expresso através dos princípios da função social, da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Além de constituir objeto da República Federativa Brasileira a erradicação da pobreza e da marginalização, além de reduzir as desigualdades sociais e regionais.