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domingo, 6 de maio de 2012

DIREITO URBANÍSTICO


Direito Urbanístico é o ramo do Direito que trata da ocupação, uso e transformação do solo, e
englobando mais do que o território das cidades, o território urbano propriamente dito.

Introdução  Urbanismo x Direito

A disciplina urbanística é hoje um dos imperativos mais prementes da civilização, em face da crescente urbanização e, especificamente no Brasil, o crescente processo de urbanização descontrolado.

Emprega-se o termo urbanização para designar o processo pelo qual a população urbana cresce em proporção superior à população rural. Não se trata de mero crescimento das cidades, mas de um fenômeno de concentração urbana.

A urbanização da humanidade é um fenômeno moderno da sociedade industrializada, fruto mesmo da revolução industrial. Ao nos referirmos às cidades, logo visualizamos os grandes centros em que se aglomeram fábricas e serviços, atividades necessariamente desvinculadas do produto natural da terra, este, ao contrário, objetivo principal das atividades do campo.

A população urbana no Brasil representa, progressivamente, 32% em 1940, 45% em 1960, 50% em 1970, atingindo 70% em 1980 e 80% em 2000, revelando a urbanização crescente, porém prematura e despreparada.

Em verdade, “o fenômeno urbano, aqui e alhures, é constatado como um daqueles em que é preciso disciplinar e conformar para que o homem não se veja engolfado pela civilização do caos que se avizinha, na visão dos futurólogos e dos filósofos do nosso tempo”.

O urbanismo é, pois, uma ciência que se ocupa do fenômeno urbano, tratando-o a partir de seus preceitos e parâmetros. Leopoldo Mazzaroli definiu o urbanismo, do ponto de vista técnico, como “a ciência que se preocupa com a sistematização e desenvolvimento da cidade buscando determinar a melhor posição das ruas, dos edifícios e obras públicas, de habitação privada, de modo que a população possa gozar de uma situação sã, cômoda e estimada”.

Esta concepção restringia-se aos limites da cidade em que o urbanismo começa a abranger a cidade e o campo, preocupando-se com algo mais que os aspectos meramente físicos do território.

A partir daí, o urbanismo deixa de ser mera disciplina da cidade e passa para projetos de estruturação regional e, posteriormente, os planos nacionais de um país.

Tal concepção moderna deve-se ao reconhecimento de que a cidade não é entidade com vida autônoma, destacada e isolada no território. Em verdade, o urbanismo ultrapassa os limites da cidade para englobar um território inteiro, que se influencia mutuamente, devendo, pois, ser estudado de forma sistêmica e conjugada.

Torna-se, assim, o urbanismo, em razão da escola racionalista ou funcional representada por Le Corbusier, na “ciência da organização do espaço, para além das restritas
fronteiras das cidades.”.

E conceitua o próprio Le Corbusier:

"O urbanismo é a gestão dos lugares e várias instalações que devem valorizar o desenvolvimento da vida material, sentimental e espiritual em todas as suas formas, individuais ou coletivas. Abrange tanto os centros urbanos e agrupamentos rurais. O urbanismo já não pode mais estar apenas sujeito às regras de esteticismo gratuito. É, pela sua essência, de ordem funcional, há três funções fundamentais para a realização que deve garantir o urbanismo:

1º Habitação;
2º Trabalho;
3ª Recreação.

Seus objetos são:

a) uso da terra;
b) a organização do movimento;
c) legislação.

As três funções fundamentais acima indicadas não se veem favorecidas pelo estado atual das multidões. Devem ser recalculadas as relações entre os diversos lugares dedicados a elas, de modo a determinar uma justa proporção entre os volumes construídos e os espaços livres. Deve-se reconsiderar o problema de movimentação de solo, o resultado das divisões, vendas e especulação, deve ser substituída por uma economia básica de agrupamento capaz de responder às necessidades presentes, garantir aos proprietários e às comunidades presentes, garantir aos proprietários e à comunidade a partilha equitativa dos benefícios resultantes do trabalho de interesse comum”.

A inevitável incidência das diversas ciências no estudo e disciplina do fenômeno urbano leva a crer que o jurista ou arquiteto sozinho, não mais resolvem os problemas da cidade, porque convergem, na solução deles, conhecimentos sociológicos especializados, geográficos, estatísticos, de engenharia sanitária, de biologia, de medicina, e, sobretudo políticos e econômicos.

A matéria urbanística é, assim, necessariamente interdisciplinar e infinitamente rica em aspectos.

Em verdade, o conceito de urbanismo “tem uma natureza polissêmica, já que comporta uma pluralidade de sentidos”. Dentre esses sentidos ou acepções, um jurista português destaca quatro: o urbanismo como fato social, como técnica, como ciência e como política. Seriam estes os sentidos fundamentais do “urbanismo”, que delineiam seu entendimento.

Como fato social, o urbanismo expressa o fenômeno do crescimento das “urbes” ou das cidades. A atração que as cidades promovem sobre as populações originariamente rurais e o consequente aumento contínuo da população nos centros urbanos está na base da urbanização, conforme conceituamos anteriormente.

Discute-se qual seriam os critérios para definir que uma determinada região detém o título de “cidade” ou centro urbano.  Critérios como a densidade populacional por quilômetro quadrado, ou ainda a forma predominante da atividade econômica, uma vez considerados isoladamente não representam elementos exaustivos do conceito de cidade.

As Nações Unidas, bem como inúmeros autores que optaram por esse conceito, define população urbana como a que reside em localidades com pelo menos 2000 habitantes. Qualquer que seja o critério, todos levam à identificação da cidade, auxiliando na reflexão de seus problemas.

Além de ser um fato social, o urbanismo é uma técnica de criação, desenvolvimento e reforma das cidades. Urbanismo, nesse caso, é sinônimo de técnica urbanística. Atualmente, todo projeto de urbanismo exige estudos baseados no trabalho de especialistas das mais diferentes matérias, cada vez mais fragmentadas e mais precisas e seu resultado refletirá a convergência de todos esses conhecimentos.

Além de ser uma técnica, o urbanismo também passou a ser apresentado como uma ciência autônoma, surgida na Europa no período que medeia entre finais do século XIX e a 1ª Guerra Mundial.

O urbanismo é, em resumo, elemento de importante transformação das cidades, promovido através de atividades próprias, destinadas a aplicar seus princípios e realizar seus fins.

A doutrina é unânime na afirmação de que esta nova ciência assume uma natureza eminentemente interdisciplinar.

Como técnica e ciência interdisciplinar, o urbanismo correlaciona-se com a cidade industrial, como instrumento de correção dos desequilíbrios urbanos, nascidos da urbanização e agravados com a chamada explosão urbana do nosso tempo.

O Direito é, também, uma das ciências que regula o fenômeno do urbanismo, lançando sobre este seus elementos, conceitos e princípios.

A ciência jurídica manifesta-se objetivamente em suas normas, adota os conceitos e as abordagens de outras ciências e cria sobre elas sua própria concepção, enquadrando o fenômeno urbano com o fim de adequá-lo, transformando-o de forma que atenda aos seus objetivos e aos anseios dos que lhe legitimam.

Urbanismo vem de “urbes”, cidade. O conceito de urbanismo guarda, assim, independência e peculiaridade do conceito de Direito Urbanístico.

Tratam, em verdade, de duas ciências cujo objeto de estudo é o mesmo, porém, avaliado sob óticas peculiares. Ambas se debruçam sobre o fenômeno urbano, propriamente sobre a utilização do espaço nos centros urbanizados e rurais.

Neste contexto, o fenômeno urbano, como objeto de estudo científico, leva o pesquisador à busca multidisciplinar, para o atendimento da demanda de soluções imediatas, exigência que se observa de forma ainda mais evidente nos países com baixo índice de desenvolvimento, como é o caso do Brasil.

O urbanismo apresenta-se, assim, como uma ciência compósita, que vai buscar conhecimentos a várias ciências, tais como a geografia, a arquitetura e a técnica de construção, a estatística, a ciência econômica, a ciência política, a ciência administrativa, a sociologia, a história, a ecologia humana, e, inclusive, a própria medicina, com o objetivo de possibilitar um desenvolvimento harmonioso e racional dos aglomeramentos humanos.

Direito Urbanístico é o conjunto da disciplina jurídica, notadamente de natureza administrativa, incidente sobre os fenômenos do urbanismo, destinada ao estudo das normas que visem a impor valores convivenciais na ocupação e utilização dos espaços habitáveis.

Os princípios constitucionais e a autonomia do Direito Urbanístico

As normas urbanísticas ainda não adquiriram unidade substancial, formando conjunto coerente e sistematizado legislativamente. Encontram-se dispersas em diversas leis e apenas guardam, entre si, conexão puramente material em função do objeto regulado. Para identificá-las, torna-se necessário estabelecer com precisão qual é esse objeto, que vem a ser o próprio objeto do Direito Urbanístico.

O Direito Urbanístico é um “conjunto de técnicas, regras e instrumentos jurídicos, sistemáticos e informados por princípio apropriados, que tenha por fim a disciplina do comportamento humano relacionado aos espaços habitáveis, ou seja, arte e técnica social de adequar o espaço físico às necessidades e à dignidade da moradia humana”.

A Constituição Federal do Brasil menciona o Direito Urbanístico que trata das competências concorrentes da União, Estados e Distrito Federal o que, para alguns autores, indica a autonomia da matéria no contexto da ciência jurídica.

A matéria de direito urbanístico encontra relevante disposição no art. 182 que trata da política de desenvolvimento urbano executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, com o objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Nesse contexto, fica evidente que “o princípio da função social da propriedade constitui o núcleo central do Direito Urbanístico”.

Outros são, ainda, os princípios constitucionais que conferem ao Direito Urbanístico autonomia e relevância material.

Destacamos o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da igualdade.

O princípio da dignidade da pessoa humana reveste-se do entendimento atual de que o ser humano deverá ser respeitado por se tratar, simplesmente, de um ser humano. É de tal relevância o princípio da dignidade da pessoa humana que na elaboração da nova Carta Constitucional da União Europeia tal preceito encontra-se à frente mesmo do direito à vida. Não é dever garantir-se apenas a vida, mas a vida com dignidade.
Considerando o respeito pelas virtudes e qualidades humanas, o Direito Urbanístico, uma vez voltado ao desenvolvimento das técnicas de ordenação dos territórios e utilização social da propriedade, apresenta-se como ciência das mais relevantes para a concretização do direito à dignidade da pessoa humana.

Não há dignidade sem moradia, sem condições de habitação, sem instrumentos urbanos que garantam a circulação, o lazer e o trabalho.

O Direito Urbanístico é fundado, ainda, no princípio da igualdade. É, pois, um direito fundamental do cidadão brasileiro. Considerando a vinculação da Administração Pública ao princípio da igualdade, esta deve se traduzir na elaboração e aprovação de planos que estabelecem regras respeitantes à ocupação, uso e transformação do solo urbano ou rural. A todo cidadão deve estar garantido, igualitariamente, o acesso à cidade.

Mas é com a Lei Federal n. 10.257/2001, o “Estatuto da cidade” que fica definitivamente consolidada a chamada “Ordem Urbanística”, entendida como conjunto de normas de direito urbanístico, ramo autônomo na disciplina jurídica.

De fato, vislumbramos progressivo incremento das normas que visam ordenar o uso e a propriedade do solo. Tal preocupação pode ser justificada, no caso do Brasil, pela extrema da situação de risco que apresentam as cidades mais populosas do nosso país. Interessante observarmos, nesse aspecto, a lição de Fernando Garrido Falla, que, avaliando as razões para a numerosa literatura sobre direito urbanístico e regime do solo.

Para o referido jurista, a escassez do solo, como a escassez de qualquer recurso natural, justifica a ordenação jurídica do seu uso e consumo. Assim, o planejamento do uso do solo é necessário para conseguir um equilíbrio entre a demanda e a oferta.

A qualidade de vida pode, ainda, efetivamente ver-se deteriorada pela concentração populacional em determinados lugares. A busca pela qualidade de vida é, então, justificativa para que se ditem medidas limitadoras da densidade máxima de edificações por área, volume por superfície, entre outras.

A proteção do meio ambiente, intimamente ligada ao elemento anterior, também representa forte argumento para a regulamentação do solo. Desta feita, não só os habitantes atuais, mas para as gerações futuras devem ser, desde já, protegidas de um meio ambiente degradado.

No que pertence, ainda, às medidas de aproveitamento e utilização do solo, estas estão inspiradas na finalidade de combater a especulação e proteger o usuário do solo, uma vez que este se trata de bem primário para a construção da vida do cidadão.

As justificativas elencadas, segundo o ensinamento do professor Falla, reúnem-se, em nossa avaliação, com os princípios constitucionais do Estado Brasileiro e reafirmam-se na vontade do legislador constituinte.

É o que se depreende dos artigos 24, que conferiu expressamente à União competência legislativa para editar normas de Direito Urbanístico, aos Estados competência suplementar e aos municípios competência para editar normas de Direito Urbanístico de interesse local.

Além disso, cumprirá ao Direito Urbanístico, “servir à definição e implementação da “política de desenvolvimento urbano”, a qual tem por finalidade “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem – estar de seus habitantes””.

Desta feita, “o Direito Urbanístico é uma disciplina jurídica que a cada dia ganha foros de desenvolvimento, justamente porque a cidade, essência do urbanismo, e onde tal Direito incide, exige diuturnamente a sua participação, quer seja buscando compor litígios, quer seja oferecendo os instrumentos necessários para que o Poder Público e o particular possam encontrar formas de convivência no âmbito dos seus interesses”.

Ressalte-se que no Direito Urbanístico “não se entende a expressão urbano como oposição ao que é rural. Ao mecanismo evidentemente dinâmico da cidade soma-se a atividade peculiar do campo, integrando-se de modo a se formar uma única comunidade, que é produto natural, de ordem física, moral e mental”.

Comungam do entendimento de que o Direito Urbanístico é ramo autônomo do Direito vários dos mais conceituados juristas brasileiros. A posição contrária, por sua vez, atrai outros tantos juristas da mais alta respeitabilidade.

Simpatizamo-nos com a posição de que o Direito Urbanístico é ramo autônomo do Direito, uma vez que este possui princípios e disciplina próprios, ampliados com a aprovação do Estatuto da Cidade, apesar de guardar larga identidade com o Direito Administrativo.

Dessa forma, “não há mais como negar a autonomia acadêmica e político – institucional do Direito Urbanístico, não só pelas referências explícitas feitas ao ramo do Direito na Constituição Federal de 1988, mas também pelo fato de que foram claramente cumpridos todos os “critérios” tradicionalmente exigidos para o reconhecimento da autonomia de um ramo do Direito: o Direito Urbanístico tem objeto, princípios, institutos e leis próprias”.

Objeto do Direito Urbanístico

O Direito Urbanístico objetivo (conjunto de normas) tem por objeto regular a atividade urbanística, disciplinar a ordenação do território. Visa “precipuamente a ordenação das cidades, mas os seus preceitos incidem também sobre as áreas rurais, no vasto campo da ecologia e da proteção ambiental, intimamente relacionadas com as condições da vida humana em todos os núcleos populacionais, da cidade e do campo”.

É o ramo do Direito que visa a promover o controle jurídico do desenvolvimento urbano, isto é, dos vários processos de uso, ocupação, parcelamento e gestão do solo nas cidades.

O Direito Urbanístico como ciência, é “ramo do direito público que tem por objeto expor, interpretar e sistematizar as normas e princípios; vale dizer: estabelecer o conhecimento sistematizado sobre essa realidade jurídica”.

Ainda, manifestam-se dois aspectos do Direito Urbanístico:

·      o Direito Urbanístico objetivo, que consiste no conjunto de normas jurídicas
reguladoras da atividade do poder público destinada a ordenar os espaços habitáveis,
o que vale dizer: conjunto de normas jurídicas reguladoras da atividade urbanística;

·      o Direito Urbanístico como ciência, que busca o conhecimento sistematizado
daquelas normas e princípios reguladores da atividade urbanística.”

Conclusões

No que tange à matéria abordada no presente artigo, concluímos que o Direito Urbanístico ou Direito do Urbanismo é disciplina autônoma do Direito, uma vez que tem por objeto um conjunto de normas específicas, voltadas para a realização e aplicação de princípios norteadores próprios e princípios constitucionais, bem como nomenclatura, objeto e tratamento individualizados.

Não se trata, dessa feita, de nova matéria, mas de matéria amadurecida ao longo do despertar legislativo e doutrinário, bem como de disciplina necessária para o tratamento de fatos sociais irredutíveis.

O operador do direito está, assim, diante de uma disciplina que reúne especialistas de diversas áreas da ciência atual, bem como da ciência jurídica.

A disciplina do Direito Urbanístico está, igualmente, diretamente ligada ao Direito de Propriedade. O Direito de propriedade, como visto, objeto de proteção e de disputa ao longo da história do mundo ocidental, passa por momento de “coletivização”. Isso significa que seu conteúdo não mais se justifica pela utilidade que proporciona a um indivíduo, o proprietário, mas a toda a sociedade.

No sistema jurídico brasileiro isso está expresso através dos princípios da função social, da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Além de constituir objeto da República Federativa Brasileira a erradicação da pobreza e da marginalização, além de reduzir as desigualdades sociais e regionais.

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