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sábado, 21 de abril de 2012

AMBIÊNCIA URBANA



Ambiência seria o espaço arquitetonicamente organizado e animado que constitui um meio físico e, ao mesmo tempo, meio estético ou psicológico, especialmente preparado para o exercício de atividades humanas.

Introdução

O homem é um ser vivo inigualável e difere dos demais seres, pois além de sua inteligência, se diferencia pela sua capacidade de adaptação e transformação da paisagem, visando sua habitabilidade ideal. O habitat humano é à base de todas as transformações políticas, sociais e culturais da humanidade. É nas cidades que a maioria de nós convivemos, trabalhamos e nos relacionamos. 

Além disto, o habitat é um direito essencial do homem moderno e uma necessidade básica universal desde a antiguidade.

Observa-se que a relação entre sociedade, cidades, meio ambiente e desenvolvimento vem se modificando ininterruptamente desde 12000 a.C. tendendo a um nível de consumo energético de alta entropia.  Este texto visa fazer essa sucinta e breve abordagem a respeito da temática do uso de energias renováveis na arquitetura e urbanismo na história das cidades.

As diferenças geográficas, de clima, de espécies de animais e plantas domesticáveis, bem como de doenças transmissíveis, foram variáveis definidoras para a expansão ocidental em algumas faixas de terra do globo. Parte das inovações tecnológicas europeias, ao invés de terem sido inventadas localmente, foi fruto justamente desses contatos com outras sociedades, o que reforça a ideia de que o ambiente natural interfere no desenvolvimento das sociedades. Esses desdobramentos e ritmos diferentes de desenvolvimento viriam a culminar posteriormente, em grandes impérios, cidades e reinados ao longo da história, ampliando o fosso de desigualdades sociais e econômicas entre as regiões e continentes, alimentados pelo colonialismo a partir de 1500.

Os ambientes urbanos sempre acompanharam o cenário econômico e político assim como absorveram suas mazelas, deseconomias, desequilíbrios e externalidades, com impactos insalubres direto na vida de seus habitantes, principalmente os suburbanos menos abastados. As cidades passaram rapidamente de locais de peregrinação, embriões da sociedade, a símbolo de desenvolvimento e progresso, das artes, democracia, poderio bélico, riqueza e de centro organizador da sociedade, para o cerne da crise humana e ambiental que afeta o planeta. Isto vem gerando miséria, segregação urbana e degradação da vida da maioria de seus cidadãos, associada à violência, consumo excessivo de energia, criminalidade, disputas por terra, doenças e poluição ambiental.

Passamos de um urbanismo “suportável e problemático” para um urbanismo “caótico, segregador e explosivo” com produtos e serviços de alta entropia. É a cidade materializando o atual modelo economicista de desenvolvimento. Uma economia de cunho financeirista e de alta volatilidade, que vem gerando crises cíclicas.

Nossas “urbes” passaram do status de berço da antiguidade clássica, até o atual modelo de desenvolvimento capitalista, sendo hoje o habitat da maioria da população e o principal consumidor de energia global. Desde a pré-história, até os dias atuais, o ser humano cria novas condições de habitabilidade, modificando o ambiente construído, natural e geográfico e as relações sociais e políticas.
A história da humanidade demonstra que nem sempre a interferência humana na paisagem foi marcada por degradação ambiental e insalubridades. Se antes os impactos eram circunscritos a determinadas regiões, atualmente com a urbanização acelerada e com a “mundialização” da economia, esses impactos ambientais adquirem escala global, sendo muito mais nefasto seu dano ao planeta. Da mesma forma, caso fossem adotadas medidas de “baixa entropia” como faziam nosso antepassados, os benefícios também seriam globais, dada à dimensão e porte das atuais cidades. A energia e o clima são indispensáveis para a vida na Terra. É elemento vital para os seres vivos e suas relações, entre eles o homem. A energia é a força motriz da biosfera, responsável pela diversidade natural e climática do planeta. Sendo o sol o grande gerador, que despeja diariamente grande intensidade de energia sobre a terra, movendo massas de ar, alterando o ciclo hidrológico, biológico e as temperaturas e umidades em diferentes regiões do mundo. Essas alterações formam o que chamamos de clima e suas subdivisões (microclimas) determinando a variedade atmosférica de várias regiões do planeta.

O clima é responsável pela variação das paisagens e pela diversidade biológica e endêmica da terra. É responsável também pelas diversidades urbanas. Em todo o mundo encontramos exemplos dessa milenar e sustentável harmonia entre homem, natureza, arquitetura e clima. A consonância entre habitat e meio ambiente sempre ajudou o homem ao longo da história a refugiar-se contra a inconstância do meio climático, geográfico e natural e a tirar benefícios desta harmonia, sem maiores prejuízos ecológicos. Harmonia hoje chamada de sustentabilidade.

Quanto à relação entre clima, homem e meio ambiente, Josué de Castro cita:

“[...] Um dos grandes recursos técnicos de que o homem lançou mão para fugir da ação intempestiva da metereologia ambiente é exatamente a habitação. Resulta disto que cada grupo humano procura construir o seu tipo de casa até certo ponto como dispositivo especialmente apto a neutralizar as condições desfavoráveis do clima sem prejudicar a natureza [...].”

Isso é particularmente verdadeiro, pois o ser humano enquanto ser homeotérmico necessita manter sua temperatura constante por volta dos 37ºC. Alterações climáticas bruscas com grandes variações de temperatura tende ao colapso do organismo e por consequência a morte humana. Essa necessidade térmica, associada a influencia climático-ambiental, originou vestimentas humanas e espaços construídos diferenciados em várias partes do mundo.

Vários são os exemplos sustentáveis na história do ambiente construído. Este trabalho faz um sucinto panorâmico a respeito destes exemplares na história urbano-arquitetônica e tenta explicar como o uso da energia passiva do clima foi utilizada.

Desenvolvimento, homem e natureza

A relação entre sociedade e natureza vem se modificando ininterruptamente aos longos dos tempos. É visível que o tratamento da relação homem versus meio ambiente depende de certa forma do estágio socioeconômico e tecnológico alcançado por determinada sociedade.

A natureza é uma das variáveis definidoras dos estágios socioeconômicos e tecnológicos alcançados. O homem deixa de ser nômade e passa a intervir na natureza, produzindo o sistema de plantio e colheita. A invenção da agricultura, associada à domesticação de animais, produziu uma nova relação social entre os homens.  A apropriação do território gerou interesses entre os grupos por localidades com melhores condições climáticas para o plantio e escoamento da produção. O homem deixa suas “tendas nômades” e parte para “abrigos” mais estáveis, utilizando a energia passiva do clima e as matérias primas locais. Técnicas ambientais e de geotecnia permitiram armazenar alimentos, abrir poços de água e criar sistemas de drenagem e de abastecimento de água, o que prenunciou o início de um protourbanismo que aproveitava as características climáticas e biogeográficas.

Antes dos aglomerados urbanos existiam as cidades cemitérios (necrópole) que eram ponto de peregrinação. Com o surgimento da agricultura, e a necessidade de fixação no território, surgem os adensamentos tribais que dão origem aos templos e santuários (acrópoles). Neste ambiente de excedentes energéticos o homem se amplia sua prole. A atividade comercial, as relações econômicas, espaciais e sociais ganham outra feição. A natureza, o clima e a topografia definem, de certa forma, o estágio e a vida social e política modificando as relações de poder entre os homens. Neste ambiente, metais como o bronze produzido no Egito e na Mesopotâmia e o ferro na Península Ibérica possibilitaram a supremacia de povos contra outros, através da confecção de armas. O poderio armamentista, a escrita e a agricultura local, culminaram na especialização dos trabalhos. A complexidade dessas relações contribuiu para gerar os primeiros núcleos pré-urbanos, que originariam vilas e cidades fortificadas. Continentes não europeus, como os impérios inca e asteca nas Américas, abrigavam milhares de pessoas e eram muito maiores que as cidades da Europa da época. No caso dos povos da Europa e da
Ásia estes desenvolveram aptidões excepcionais, com a criação de exércitos especializados que portavam utensílios de ferro e aço, o que permitiu através da força bélica espalharem-se pelos demais continentes. Povos que não tinham essas vantagens permaneceram tribais. Esses acontecimentos geraram patamares desiguais de tecnologia e organização política entre e sintetiza este raciocínio da seguinte forma: “[...] Impérios com ferramentas de ferro, escrita e tecnologia conquistaram ou exterminaram tribos com ferramentas de pedra [...]”. As vantagens comparativas e algumas particularidades patológicas endêmicas, tecnológicas e militares, decorrentes de potencialidade ambientais locais (metais, animais e plantas domesticadas, epidemias e doenças). Esses condicionantes revolucionaram a agricultura e o transporte, bem como a guerra e a economia. Vantagens de organização política, excedentes de alimentos e de recursos naturais permitiram maior dedicação na criação e disseminação de novas tecnologias, entre elas as bélicas. A produção de excedentes de alimentos e o intercâmbio tecnológico entre as sociedades europeias contribuíram para um poderio armamentista e marítimo de algumas sociedades. Poder este que perdura até os dias atuais e que ainda geram guerras entre povos.

Condicionantes geográficas, ambientais, econômicas, culturais e sociais acabaram com os padrões diferenciados de desenvolvimento dos povos. No entanto, explicações de uma “etnoclimatologia” cheia de determinismos biológicos ou raciais tentam, sem êxito, explicar de forma pouco ética e científica essa rica heterogeneidade humana. As situações do mundo real quase sempre incluem componentes ambientais, sociais e políticos que não se segregam, caso se busque investigar problemas de forma crítica. A análise de qualquer fenômeno deve restabelecer “elos partidos” que vieram a ser dominantes após a revolução industrial. Neste sentido, faz-se imprescindível buscar a análise histórica buscando a gênese do problema. Como nasce à problemática, como se dá sua trajetória histórica, suas rupturas e contradições, bem como sua articulação com outros domínios do mundo real. Daí surgiu a ideia de que o pesquisador não pode reduzir tudo ao fato social ou a abordagem técnica, pois esses domínios se complementam e não explicam isoladamente um dado problema, pois a análise dos fatos deve ser sistêmica. Neste âmbito, os componentes ambientais e energéticos e suas interações devem ser considerados dentro do contexto investigativo dos fenômenos. Nesse sentido, diz que o real também é abstrato, tudo nasce, cresce, chega ao ápice, declina e padece, sendo, portanto, passível de ser compreendido a partir de uma abordagem evolucionária. Essa concepção cíclica e evolucionista é a base da teoria de Darwin, que considera como mola propulsora da evolução a adaptação dos seres vivos ao meio ambiente como derivação do efeito combinado da seleção natural entre espécies e mutações aleatórias relacionadas com o ambiente geográfico e o clima. Cada ser ou grupo de indivíduos evolui dentro de sua trajetória, pois o ambiente é o fator definidor dessas diferenças.

A visão evolucionista seria transferida de forma simplista para o conceito de desenvolvimento da economia clássica. A economia deveria ser livre através da “teoria da mão invisível” e o mercado teria a função de regular o desenvolvimento econômico das nações e satisfazer as necessidades de produtos e serviços das pessoas. Esta visão liberal e “utilitarista” da economia reduziria esta ciência a um sistema fechado, sem relação direta com os ecossistemas naturais, e isto influenciaria a morfologia e o urbanismo das cidades modernas, pois as cidades seriam moldadas pela necessidade do sistema capitalista e não pela sua vocação biogeográfica e climática. Esta visão perdura até os dias atuais, pois a economia neoclássica é concebida no indivíduo, dito racional que busca sempre maximizar suas utilidades, através do equilíbrio da relação oferta-demanda, sem se preocupar se esta maximização terá impactos sobre o ambiente natural ou social.

Os neoclássicos desenvolveram diversas correntes econômicas que tentavam explicar o desenvolvimento. Todas reduzem o mundo real a matemáticos, com dinâmicas de crescimento econômico de curto prazo, negando a componente natural e energética destes cenários. No entanto, contrariamente a esta visão reducionista, um economista utilizando-se dos conceitos da 1ª lei da termodinâmica, defendeu que o desenvolvimento econômico se alimenta dos recursos naturais transformando-os em produtos e serviços. A quantidade de energia utilizada no processo econômico dispersa outra quantidade de energia não disponível para a realização destas atividades. Parte desta energia toma a forma de poluição que degrada e ameaça o meio ambiente natural e urbano diminuindo a capacidade de resiliência e autorregeneração da natureza. Por fim, concluíram que a economia, e, portanto, o desenvolvimento, deve ser alimentado por processos de baixa entropia, e que a economia não é um processo fechado que alimenta a si mesma, mas sim aberto, que tem perdas energéticas consideráveis transformadas em rejeitos que não podem mais ser utilizados no processo de desenvolvimento. A solução é um modelo de desenvolvimento baseado em fonte renováveis e limpas, de alto poder energético e de baixa entropia. Em um ambiente de escassez dos recursos naturais, a sociedade precisará aprender a se desenvolver decrescendo, e as cidades devem ampliar sua eficiência no uso de recursos.

Conclusão

O futuro sustentável só será conseguido com a redução do consumo de energia das cidades e com a mudança da atual concepção economicista-consumista de mundo por seus habitantes.

Para isto, devemos reavaliar a dimensão espacial do processo de desenvolvimento em busca da “ecoeficiência” das cidades, proporcionando conforto ao homem e preservação ao meio ambiente. Neste contexto, deverá ser dada ênfase ao planejamento urbano sustentável, com especial destaque para ambiente construído enquanto célula da cidade, responsável por grande parte da poluição e desperdício energético do planeta. Não adianta programar tecnologias, conforme preconizado pelos economistas ambientais, sem uma mudança de valor por parte dos consumidores. Além do mais o atual paradigma consumidor é incompatível com a necessidade de poupança de recursos naturais, são realidades opostas. Como mudar os hábitos de um cidadão perdulário, se ele vive em um ambiente onde o apelo midiático visa o consumo inesgotável de recursos energéticos e materiais. Diante deste panorama, observa-se que a dimensão ecológica do ambiente é a variável que mais poderá contribuir para a sustentabilidade.

Na medida em que suas soluções aliam: redução da poluição do meio ambiente e do consumo energético das cidades e suas edificações, economia de recursos naturais e financeiros e conforto ambiental para usuários. Isto pode ser conseguido, em parte a partir do uso de estratégias de captação de energias passivas e renováveis para as edificações, como foi abordado. Soluções estas baseadas no potencial climático, cultural e ecológico local, secularmente utilizado da Mesopotâmia até os dias atuais com ações sustentáveis que tendem a uma nova modalidade de planejamento dito “Sustentável” formatando uma possível “City Green” o que conferirá o seu caráter de sustentabilidade urbana. Além de contribuir para o fortalecimento da identidade cultural de uma arquitetura e urbanismo regional adaptada ao seu meio natural, poupadora de energia e confortavelmente agradável para seus usuários. Estas estratégias são viáveis em todos os países.

Nações como o Brasil que dispõem de climas tropicais favoráveis à implementação destas soluções, confirmam sua vocação de nação energética sustentável, já vista em outros setores como o do biocombustível ou mesmo da energia renovável. Principalmente, em climas tropicais que apresenta grande potencial de desenvolvimento de estratégias sustentáveis para  as cidades reduzindo o grau entrópico. No entanto, contrariamente a este grande potencial subexplorado, o que se observa é a proliferação e de cidades cada vez mais consumidoras de recursos energéticos para garantir seu funcionamento e suas condições de funcionamento. Diminuição de áreas verdes e proliferação de arquiteturas energívoras. Isto se deve à falta de conhecimento do clima local por parte dos projetistas, aliado à utilização de padrões “internacionalizados” baseados em uma visão compartimentada, neoclássica, reducionista, de curto prazo e incompatíveis com nossa realidade climática e cultural.

Mesmo filósofos que diziam que “antes de dominar a natureza é necessário obedecê-la, e para isto faz-se necessário conhecê-la a fundo”. Enfim, estudar os fluxo de energia das cidades, associados a geografia, as potencialidade climáticas, e aos aspectos culturais é algo que pouco estudiosos se debruçam. Este texto tentou demonstrar sob uma abordagem geral esta necessidade da bioclimatologia urbana e do conforto ambiental. Não adianta apenas repotencializar usinas, ampliar a tecnologia ambiental, promover a eficiência energética de máquinas e processos, buscar novos combustíveis, ou injetar gás carbônico no solo, se o usuário final usará esta energia de forma “insustentável”. É necessário mudar o atual paradigma economicista e buscar a baixa entropia. É necessário mudar a mentalidade humana.

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