A Psicologia Social permite a interconexão entre as
dimensões do espaço, no momento em que um determinado fenômeno ambiental produz
um estímulo, induzindo um indivíduo a construir, objetiva e subjetivamente, uma
visão de realidade do mundo que o cerca.
Introdução
Os estudos a respeito das relações psicossociais entre o
homem e o espaço construído têm uma história recente. Eles surgiram em
decorrência do aumento da complexidade não só da atividade de construção do
espaço, mas de transformações sociais, culturais e políticas de indivíduos e
grupos envolvidos no uso do espaço construído. O objetivo principal deste
trabalho é refletir a respeito da dimensão psicossocial na construção do espaço
a partir da ótica do usuário.
Podemos dizer que as trocas entre os protagonistas da
construção do espaço, especialistas e não especialistas, sempre ocorreram. Mas
essas trocas deixaram de ser feitas através de interações diretas na medida em
os especialistas passaram a projetar e executar construções de uso público ou
privado em escala industrial e segundo critérios não escolhidos por parte dos
usuários, num ambiente social de ampliação de escolarização e democratização
política, gerando muitas vezes insatisfação, perplexidade, conflito e rejeição.
Dos anos 1960 para cá tem havido um aperfeiçoamento
crescente das trocas entre especialistas e não especialistas a respeito do
espaço construído. Pode-se levantar a hipótese de que existem dificuldades de
comunicação entre especialistas e não especialistas na medida em que estes não
conseguem desenvolver um discurso/prática em que ambos os polos da construção
do espaço não são considerados simultaneamente, em termos de interesses,
instrumentos, perspectivas culturais, ações e resultados. Ou seja, um sintoma
dessa situação de defasagem é quando os usuários separam radicalmente o
exterior e interior de um espaço construído, por exemplo, em termos de espaço
público e privado. Inicialmente, poderíamos verificar tal situação histórica a
partir da perspectiva dos usuários.
Podemos afirmar que tem sido dada mais ênfase a aspectos
racionais na construção e avaliação do espaço, através de linguagens verbais,
que costumam veicular tanto conteúdos considerados convencionais, quanto
temporariamente convenientes, muitas vezes para atender expectativas de grupos
mais influentes na sociedade, mantendo outros conteúdos latentes ou
inconscientes, conforme o caso.
Nesse sentido, uma psicóloga social, pesquisando atitudes em
relação ao doente mental por meio de questionários, constatou que havia uma
tendência de respostas favoráveis entre os grupos em função do aumento da
escolaridade e idade, o que não se dava quando os mesmos se expressavam através
de desenhos sobre o mesmo assunto, as atitudes tendendo a manterem-se
desfavoráveis. Ela interpretou tais resultados com o uso de questionários, em
função da busca de construção de autoimagem social para seguir tendência
influente no espaço público de atitude favorável ao doente mental, mantendo em
nível latente os conteúdos desfavoráveis a respeito. Já os conteúdos
explicitados através do desenho, segundo a mesma pesquisadora, seria consequência
da influência de uma iconografia cultural italiana impregnada de imagens
desfavoráveis em relação aos doentes mentais.
Psicologia na
Arquitetura
No âmbito do consumo de obras culturais, por sua vez, a
influência acadêmica ou política parece marcar muito o modo de apreensão das
mesmas, prejudicando a expressão de indivíduos e grupos fora desses padrões
culturais e políticos. Apesar disso, nos países onde existe oposição de
critérios de avaliação cultural entre estes ambientes de exposição de arte e os
diferentes meios sociais fora daí, costuma ocorrer explicitação de critérios
culturais dos indivíduos e grupos e consequente dificuldade de comunicação –
fenômenos que poderiam ser compreendidos de modo mais completo por meio de
métodos indiretos de consulta.
Assim, um estudo sobre ações urbanas de invasão de terrenos
mostrou que elas não se reduziam à improvisação desorganizada, seguindo uma
estratégia racional complexa menos conhecida por urbanistas. Do mesmo jeito, os
métodos de autoconstrução de moradias populares poderiam ser considerados mais
elaborados do que aparentavam à primeira vista. Antes de tudo, se tratam de
divisões sociais que impedem a comunicação e a informação de circular
adequadamente, em função de tendência sistemática de não considerar como
válidos e legítimos outros tipos de epistemologias do senso comum, que poderiam
dinamizar a sociedade de modo mais radical.
Ao lado disso, a arquitetura e as artes plásticas vêm
passando, desde a modernidade, por um processo de transformação muito intenso e
rápido em termos de conceito, tecnologia, relação com o público.
Tal processo histórico empreendido por profissionais e
inventores do espaço construído, que poderíamos dizer de afastamento, senão de
ruptura com o senso comum, gerou um fenômeno de representações sociais na
sociedade. Ou seja, depois de um longo período em que as obras de arte podiam
ser apropriadas pelo menos parcialmente por parte de leigos, surgiram
tendências estéticas internacionais no século XX que levaram a arte, sobretudo
após os anos 1950, para buscas conceituais e existenciais fora do senso comum,
gerando dificuldades tanto de produção, quanto de comunicação de arte com o
público em geral.
No âmbito da arquitetura, mais especificamente, na
modernidade, mesmo empregando tecnologias avançadas, muitos arquitetos – talvez
por força da necessidade de comunicação e financiamento público maior dos seus
trabalhos – usaram por um longo período linguagens relativamente acessíveis
para o grande público. Apesar disso, acreditamos que o processo de produção
arquitetônica intensificou a tendência de especialização ao longo de todo
século XX, inclusive depois de consolidação da publicidade em termos
tecnológicos, quando o emprego de psicologia de massas aumentou sobremaneira,
existindo algumas similaridades entre os shoppings e museus em termos de
propostas de relacionamento entre o público consumidor e objetos nos ambientes
de exposição, cabendo mais pesquisas.
A teoria das representações sociais formalizou o modo de
apropriação e transformação de uma teoria de origem acadêmica – a Psicanálise –
por parte de leigos e outros personagens. Segundo o autor, a situação cotidiana
urbana e moderna em que um sujeito entra em contato e atua em relação a um
objeto como uma obra de arquitetura, é geradora de conhecimentos e práticas
relativamente livres a seu respeito. Tal atividade psicossocial seria mediada
por conteúdos socioculturais preexistentes no repertório do sujeito, mas,
sobretudo, expressamente construídos para este fim.
Aspectos objetais e conceituais
As representações sociais poderiam ser manifestar a partir
de dois aspectos fundamentais: objetais e conceituais, os quais constituiriam
processos de formação de conhecimentos e práticas sociais.
A “objetivação” se daria a partir da
materialização/concretização do objeto em função de seleção e
descontextualização de dimensões físicas do mesmo; naturalização, transformando
o objeto de representação em algo da natureza. Já a “ancoragem”, seria o
processo de reconstrução do objeto em termos de atribuição de sentido e uso
social que se dá ao mesmo. Ambos os processos de produção de representações
sociais se dariam segundo critérios dos próprios sujeitos, culturais,
históricos, políticos, etc. Ou seja, mesmo quando o sujeito usa um repertório
de outro grupo ou, mesmo, de algum conhecimento remoto e às vezes abandonado do
seu próprio grupo, ele o faz em situação, nem sempre reproduzindo os mesmos
significados anteriores, tendo em vista o dinamismo social vivido em cidades,
onde existe pressão constante para pensar e apresentar posições sobre vários
assuntos novos.
Ademais, o mesmo autor em seu modelo teórico tratou de
dimensões do conhecimento social informal em que as atitudes, ou posturas
globais do sujeito em relação ao objeto, favorável, neutra ou desfavorável,
orientam a conduta e pensamento do sujeito. A informação foi outra dimensão
considerada, levando em conta que existem aspectos no caso de uma teoria
acadêmica, como os conceitos descritivos e explicativos, que fazem parte essencial
do objeto.
Tendo em vista a situação histórica dos leigos de pouco
repertório verbal sobre objetos acadêmicos, muitos analistas frequentemente
consideram essa dimensão a partir de significados usados para tratar dos
mesmos, sem levar em conta se eles são pertinentes ou intrínsecos. Do mesmo
jeito a outra dimensão, a do campo de representação ou imagem, supõe que um
objeto de representação se organize em conjuntos articulados, em formatos que
tendem a um discurso social, combinando elementos de atitude e
informação/significados, para o qual é necessário um repertório mínimo.
Acreditamos que o uso do desenho, sobretudo no caso da arquitetura e urbanismo,
facilite a expressão desses conjuntos, tendo em vista que esses objetos de
conhecimento já apresentam conteúdos plásticos em seus produtos, como outros
objetos sociais espaciais já estudados pela psicologia social.
É preciso dizer que muitos conhecimentos especializados sobre
arquitetura e urbanismo não são buscados pelos sujeitos em função de falta de
envolvimento psicológico com o assunto, merecendo igualmente atenção e pesquisa
sob pena de emergência de fenômenos de anemia, muito comum em sociedades que
perderam a expectativa de ação racional no espaço público, que geram vácuos de
poder sociocultural preenchidos por uns indivíduos e grupos em detrimento de
outros. Supomos que a atividade de construção do espaço por parte da sociedade
passa pela adoção de uma perspectiva em que os leigos, independente de seus
níveis de escolaridade ou classe social, são capazes de assumir plenamente,
como indivíduos e grupos particulares, suas diferenças socioculturais, suas
autonomias de pensamento e ação, suas delimitações espaciais, do corpo ao
ambiente físico objetivo.
A obra de Oscar
Niemeyer
A obra do arquiteto Niemeyer tornou-se um símbolo coletivo
tanto para a cidade de Brasília quanto para o país, merecendo avaliações mais
aprofundadas. Parte do sucesso obtido pelo arquiteto brasileiro se deve a sua
capacidade de tornar objetos de inspiração abstracionista e geométrica, de
natureza mais intelectual e especializada, em figuras plásticas familiares.
Mesmo assim, entre alguns arquitetos e usuários, é comum ouvir a queixa de que
os trabalhos de Niemeyer seriam, por assim dizer, “esculturas” inventivas,
feitas mais para serem contempladas esteticamente do que prédios construídos
para serem usados como qualquer outro, cabendo um estudo psicossocial mais
sistemático a respeito.
O espaço construído tem sido estudado por psicólogos e
arquitetos a partir de várias abordagens psicológicas, psicossociais, entre
outras. Trata-se de uma área em fase de consolidação no Brasil e outros países,
entre os quais se incluem os trabalhos usando a abordagem das representações
sociais. Segundo esta última abordagem, o analista trabalha com os conteúdos
mentais e comportamentais que emergem espontaneamente das verbalizações/ações
com relação ao objeto de representação social.
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Assista a essa vídeo para ajudar a desenvolver mais o
conteúdo de Psicologia Social Aplicada à Arquitetura. Esse vídeo foi feito pelo
Portal da Educação e mostra a história da psicologia social e os principais
conceitos para a atuação do psicólogo social por meio da compreensão e estudo
da psicologia e a vida em sociedade além das práticas emergentes de atuação em
Psicologia Social.
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