A
organização arquitetônica visa compreender as implicações de tamanho, medida, forma,
volume e espaço nas obras arquitetônicas e reconhecer os princípios básicos que
informam a estruturação e aplicar tais princípios em formas tridimensionais
simples.
Introdução
Se
for consultado algum dicionário, poderiam ser encontradas as seguintes
definições para os termos forma e espaço:
Forma
– Estrutura, organização e disposição das partes ou elementos de um corpo ou
objeto. Modo pela qual uma determinada coisa em um dado contexto se revela
a nossa percepção. São atributos de uma forma: sua configuração, seu
tamanho, sua textura, sua cor e sua localização.
Espaço
– Extensão do campo tridimensional que abrange tudo o que nos cerca. É onde as coisas
do mundo sensível existem, e no qual nos deslocamos em três dimensões:
esquerda e direita, para frente e para trás e para cima e para baixo. Relações
de posição entre corpos. Intervalo vazio entre corpos, partes de um corpo, ou
entre objetos.
Estas
definições não são suficientes para explicar a complexidade que esse tema tem
para os arquitetos. Da mesma maneira, este capítulo não tem a pretensão de
esgotar o assunto. Ao contrário, estes apontamentos apenas vão introduzir
alguns conceitos fundamentais da organização da forma do espaço
arquitetônico e de suas implicações na concepção arquitetônica.
A compreensão da forma: formas reais e
formas ideais
As
formas reais são as coisas do mundo sensível e devem sua existência a causas
físicas, biológicas, funcionais e/ou finais, ou sócio-culturais. Neste universo
real, forma e contexto são interdependentes e complementares. Já as formas
ideais são os modelos abstratos produzidos pela imaginação humana. Estes
modelos utópicos, inviáveis no mundo real, são perfeitamente
regulares, exatos em medida e contorno, teoricamente fixos e estáveis e
identicamente reproduzíveis. Formas que independem do seu contexto, pois o
espaço que ocupam ou delimitam é indefinível, infinito e homogêneo. Para
compreender as coisas do mundo sensível e para intervir neste mundo se faz uso
da
Geometria.
Esta
geometria, que chamamos de Euclidiana, é um dos produtos mais notáveis da capacidade
de abstração e racionalização humana. Registrada por Euclides por volta de
300 AC. nos ELEMENTOS, síntese sistemática da geometria grega, objetivava
ensinar a medir e demarcar regiões ou partes do espaço real a partir do
estudo de um espaço abstrato e de figuras espaciais ideais. Própria para
cálculos em superfícies planas – onde, por exemplo, os ângulos internos de um
triângulo somam sempre 180° e as linhas paralelas se mantêm à mesma distância
uma das outras. Na verdade sua influência foi muito maior, pois seu magistral
método de síntese – axiomas, postulados, teoremas e provas – afetou
profundamente o pensamento ocidental. No século XIX, alguns matemáticos compreenderam
que são necessários diferentes tipos de geometria para descrever os equivalentes
de triângulos, de linhas paralelas e assim por diante em superfícies
curvas. Foram então propostos sistemas geométricos absolutamente novos, e, por
mais abstratas e esotéricas que essas geometrias parecessem na época, no
princípio do século XX a chamada Geometria de Riemann viria a ser encarada como
mais verdadeira que a Geometria Euclidiana.
Hoje
se dispõem de novas maneiras para descrições convincentes de formas e superfícies
complexas. Disciplinas dedicadas ao estudo da matéria vital foram as que
mais demandaram este tipo de descrição geométrica. No entanto, a Geometria
Euclidiana, mesmo sendo incapaz de dar contas de uma realidade complexa,
continua sendo um instrumento indispensável, pois favorece um esclarecimento
imediato da forma, quando aplicada em atividades tais como a construção ou
o projeto arquitetônico. Ao procurar definir a arquitetura o arquiteto, e mais
importante tratadista desse século, LeCorbusier argumentou que a geometria
seria de fato a linguagem do arquiteto. Seja como instrumento de controle
“neutro” e meio de representação ou como símbolo e modelo, como “filtro” da
forma ou como forma ela mesma; para a arquitetura a geometria é uma condição
necessária essencial. No entanto, a concepção das formas e dos espaços arquitetônicos
requer a construção mental de um sistema de referência. O que difere um
tetraedro que se encontra no pensamento do arquiteto daquele que se encontra no
pensamento do geômetra é o seu tamanho, diferença fundamental entre as duas
linhas de pensamento. A geometria do espaço arquitetural concebida como projeção
do espaço do pensamento no espaço real requer uma regra de passagem: a escala.
Arquitetura: forma e espaço
A
Arquitetura se distingue pela sua forma construída e pela sua natureza
espacial: a delimitação e organização de lugares para atividades humanas.
No entanto o autor Nicolaus Pevsnervai argumentar que se toda Arquitetura
é construção, nem toda construção é Arquitetura. Arquitetura seria uma
construção com uma intenção plástico-formal. É bem verdade que, sob um ponto de
vista antropológico, cujo alvo de interesse é a investigação de instituições
sociais e de sistemas culturais, a afirmação de Pevsner – datada de 1943 num
texto que toma como exemplo da diferença entre uma catedral e um abrigo de
bicicletas – é, de certa maneira, insustentável. Sob esta ótica, as duas
edificações deixam de pertencer a universos distintos, passando então a
situar-se em polos opostos de uma mesma dimensão dentro de um determinado
contexto cultural. As construções, os edifícios e os espaços urbanos passam a
ser vistos como entidades físicas que emolduram atividades humanas ao
estabelecer cenários que cristalizam rituais ou ações e comportamentos repetidos.
A
discussão do que vem a ser a forma e o espaço arquitetônico remonta a antiguidade
clássica. Marcus Vitruvius Pollio foi um arquiteto romano que escreveu o mais
antigo tratado de arquitetura conhecido: De Architectura Libri Decem, composto
no Século I a.C. e esquecido durante a Idade Média, foi redescoberto no
mosteiro de Saint Gall em 1416. Vitruvio, como ficou conhecido, tinha profundo
conhecimento dos antigos textos gregos e romanos e procurou reunir todo este
saber em uma teoria normativa unificada. No entanto, os contornos fundamentais daquilo
que entendemos hoje como Arquitetura foram definidos no Século XV.
O
maior tratadista de arquitetura do Renascimento Leon Battista Alberti
(1404-1472) foi fortemente influenciado pelo, então, recém descoberto
texto de Vitruvio. Além de arquiteto, era um grande estudioso com interesses em
muitas áreas do conhecimento e foi dramaturgo e matemático. Como encarregado do
Papa pelas construções da igreja, teve ocasião de escrever um dos mais
completos tratados de arquitetura De re aedificatoria. A maior parte deste texto
foi completada em 1452 e o seu todo impresso em 1485. Elaborado sobre a
tradição de saber herdada de Vitruvio tinha como propósito definir um
ofício e uma arte e dar-lhes um conjunto de regras e normas. Como Vitruvio,
Alberti queria que seu texto incluísse tudo aquilo que fosse necessário para a
concepção e controle da construção de edifícios e procurou reunir todo o saber
conhecido até aquele momento. De certa maneira pode ser considerado um
texto fundador da tradição arquitetônica. É a partir dele que a Arquitetura
passa a constituir, de fato, um ramo do conhecimento.
As
três condições básicas que devem ser atendidas para a definição da forma e do
espaço arquitetônico, conforme postuladas por Alberti e parafraseadas até
hoje pela maior parte dos teóricos, são: solidez, utilidade e beleza.
De
qualquer maneira é importante notar que, como na arte, a intenção plástica da
forma de uma obra arquitetônica muitas vezes só pode ser entendida através de
sua relação com formas preexistentes. Não há invenção sem precedente. Além
disso, obras de arte são, em muitos casos, criadas como paralelo ou antítese de
algum modelo anterior. A nova forma aparece não necessariamente para expressar
algum conteúdo novo, mas para substituir uma forma que perdeu vitalidade.
Geração da forma arquitetônica
A
geração da forma arquitetônica se caracteriza pela ampla liberdade de escolha e
por influências de ordem sócio-cultural, dada a baixa exigência de desempenho
funcional. Ou seja, para se gerar a forma de uma fuselagem de um avião deve-se
reconhecer seu desempenho aerodinâmico, sem o que este avião não poderá voar;
da mesma maneira, para se gerar a forma do casco de um navio deve-se reconhecer
seu desempenho hidrodinâmico, sem o que este navio não poderá flutuar.
No
entanto, diferentemente de outros produtos cuja forma deriva em maior ou menor grau
de um desempenho funcional, a arquitetura, como toda construção edificada,
mantém uma relação simbiótica, integral e singular com o seu contexto
físico. A forma arquitetônica pode ser gerada de quatro formas básicas:
Pragmática, Icônica, Canônica e Analógica.
· Pragmática
(forma arquitetônica primitiva): O processo construtivo se dá de maneira
empírica,
tentativa e erro;
· Icônica (forma
arquitetônica vernacular): O processo construtivo é dominado e o
padrão
formal obtido se torna uma constante e adquire um valor icônico;
· Canônica (forma
arquitetônica erudita): A concepção arquitetônica precede a obra
construída.
No desenvolvimento da concepção, o arquiteto passa a desenvolver um especial
interesse por padrões, modulação, ordenação, regularidade e equilíbrio. Busca
princípios elementares que definam uma lógica que facilite a concepção arquitetônica. A
unidade formal e a solução plástica da obra são então resolvidas por estes
princípios;
· Analógica (forma
arquitetônica erudita): A concepção arquitetônica precede a obra
construída.
No desenvolvimento da concepção, o arquiteto procura estabelecer referências
analógicas, descobrindo princípios de semelhança entre elementos distintos.
Organização da forma arquitetônica
A
definição da forma arquitetônica é basicamente determinada pela relação precisa
entre elementos construtivos que definirão lugares que servem como lugares de
uso ou destino, lugares de movimento e conexão. Os arranjos formais
em arquitetura se fazem a partir de esquemas básicos que ordenam esses
elementos em função de uma ideia ou tema formal, um partido ou uma Intenção
Compositiva que reconhece as circunstâncias e limitações de um dado contexto
ou situação e as incorpora numa solução. A natureza estrutural inerente à
arquitetura implica numa ordenação de base geométrica; logo, os esquemas
básicos que vão relacionar os elementos fundamentais derivam dessa base geométrica.
Esquemas que visam estabelecer mais uma disciplina do que uma limitação:
permitem o crescimento, acomodam o movimento e podem ser elaboradas de
forma a encompassar variação e complexidades infinitas.
Concepção dos espaços e das formas
arquitetônicas
A
produção de edificações se institui hoje segundo fases distintas pelas quais a
operação de concepção se separa da atividade construtiva. A principal função de
arquitetos e engenheiros no atual contexto sócio-econômico não é o de produzir
construções e sim idealizá-las. Intervêm essencialmente na qualidade de projetistas. Um
projeto se estabelece a partir de uma representação que antecipa o que será uma
futura edificação e enquanto documentada unicamente no papel ou em modelos
não é mais que um conjunto de intenções e promessas.
No
seu sentido mais amplo e compreensivo, projeto significa antecipação. O
objeto desta antecipação não é necessariamente um dado ou evento material. No
entanto, no seu uso corrente, favorecido talvez pelo seu uso proeminente em
arquitetura, o termo é efetivamente usado como antecipação de um evento material.
O
projeto enquanto antecipação implica não só numa referência ao futuro, mas também
numa condição de possibilidade de realização neste horizonte temporal.
Considerar a capacidade de projetar do homem é pressupor que o futuro não
se determina de maneira unívoca, que o mundo real é um campo onde se pode
desenvolver uma criatividade humana. O ato de projetar envolve, então, a
capacidade de analisar e avaliar situações; a habilidade para antecipar eventos
futuros e a capacidade de um pensamento criativo com o qual se
desenvolve soluções adequadas.
Do
ponto de vista construtivo, projetar é organizar e fixar construtivamente os elementos
formais que resultam de uma vontade ou intenção de transformar um dado ambiente ou
lugar. Projetar é um jogo criativo, que incluirá algum procedimento de
avaliação restrita, que resultará na definição das formas possíveis de
alguma coisa e o “como” esta coisa será feita.
Embora
se tenha tentado reduzir a ação projetual à um processo de busca e síntese, será
sempre uma arte, uma mistura peculiar de racionalidade e irracionalidade
Projetar
significa lidar com qualidades, com conexões complexas, com paradoxos e ambiguidades.
A invenção de qualquer artefato pressupõe as habilidades de se abstrair e de se
antecipar. Estas faculdades existem, em maior ou menor grau, mesmo naqueles
indivíduos mais resistentes à aquisição formal de conhecimentos. Para os
arquitetos a concepção de projetos envolve as capacidades de abstração – sobre
dados de um programa de necessidades – e de antecipação – idealização e
representação de soluções plausíveis.
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