A
arquitetura da paisagem trabalha a composição e a organização dos espaços
externos, sendo eles naturais ou artificiais, e de dimensões e escalas
diversas.
Introdução
A
grande diversidade territorial e paisagística brasileira resulta em diferentes configurações
formais de espaços edificados e não edificados, condicionando estruturas
urbanas segundo modelos de ocupação diferenciados. Essas estruturas e modelos diversificados
são consequência de aspectos ambientais, sócio-econômicos e culturais e o
entendimento das diferenças regionais, assim como das contradições sociais, faz-se
por meio do estudo da realidade existente, através de visões necessariamente
interdisciplinares.
O
estudo da validade dos modelos de ocupação adotados pela sociedade em função da
sua adequação à diversidade territorial deve ser feito por meio do entendimento
dos ecossistemas envolvidos, da geomorfologia, das formas de apropriação dos
recursos naturais, das distintas escalas e dimensões territoriais dos núcleos
urbanos e dos traços sócio-culturais de seus ocupantes.
Portanto
dentro desta perspectiva encontra-se a conjugação entre campos disciplinares
que, integrados, permitem a compreensão dos processos de constituição da
paisagem sob o ponto de vista da ecologia.
Uma
das contribuições dos estudos sobre arquitetura da paisagem reside no entendimento
dos processos de constituição morfológica, dos históricos de ocupação, dos
padrões arquitetônicos e urbanos resultantes e dos impactos que esses exercem
sobre o meio físico e social.
Conceitos e premissas
O
primeiro passo para a visão interdisciplinar no tema em questão é perceber a
relação existente entre a ecologia da paisagem e a arquitetura da paisagem, campo
onde arquitetos, paisagistas e urbanistas contribuem como pesquisadores,
estudiosos e profissionais.
Para
tanto, é importante discernir a relação entre as escalas territoriais de
atuação e os recortes de análise e de pesquisa a que se propõe.
Ao
discutirmos a escala do território nacional, estaremos analisando a relação
entre a forma de ocupação das regiões, as trocas entre elas e as suas formas
produtivas, tendo como referência a sua adequação às características e
abrangência dos domínios paisagísticos e dos ecossistemas existentes.
Na
escala da região, a análise e definição de parâmetros de ocupação do território
se iniciam a partir da leitura acima, com uma perspectiva mais aproximada à ocupação
humana, onde, reside o entendimento mais direto da relação entre as matrizes de
ocupação, os fragmentos dessas matrizes e os corredores que as interligam.
Vários estudos se desenvolveram nos últimos anos no Brasil, ora relativos à
relação entre zonas urbanas e rurais, aos estudos de processamentos de ecossistemas
específicos e ao entendimento das estruturas do território regionais.
Finalmente
na escala das cidades reside a maior contribuição da arquitetura da paisagem no
sentido do entendimento da relação entre as matrizes urbanas e as matrizes não
urbanas – sistemas naturais transformados, ou em transformação, onde se buscar
entender, como premissa para a ocupação, a relação entre os preceitos de
planejamento da paisagem e as demandas de planejamento urbano. Nesse caso, a
abrangência sócio-ambiental, que essa escala estabelece, deve pressupor a integração
direta entre esses dois campos de conhecimento e prática profissional.
Contribuições de pesquisa e as práticas
públicas
No
campo disciplinar da pesquisa em arquitetura da paisagem, existem lacunas de
estudo, dentre as quais, destaca-se a necessidade de análise e revisão dos
modelos de ocupação e dos sistemas de espaços livres resultantes, sob o ponto
de vista da sua adequação morfológica, programática e ambiental, e dos
conceitos agregados às situações descritas acima.
Os
modelos de ocupação urbana e o sistema de espaços livres resultantes afetam
diretamente o processo de produção do espaço e da paisagem, constituindo-se em
objeto de pesquisa, relacionado às escalas de análise ambiental abordadas –
territorial, regional e local, e que deve integrar os diversos campos
disciplinares envolvidos: desde os que apresentam viés analítico e diretivo – história,
geografia, ecologia, agronomia, engenharias florestal e hidráulica, dentre os
mais importantes, àqueles com perfil propositivo, como a arquitetura, o
urbanismo e o paisagismo.
O
processo de construção da paisagem indica a existência de modelos de ocupação
urbana resultantes de variáveis econômicas e culturais, decorrentes da forma
como a sociedade ocupa, apropria-se e gere o território.
O
resultado desses modelos reflete a conjugação de processos éticos e estéticos,
muitas vezes uniformizadores, em seu conteúdo ideológico e discursivo, que irão
conformar a paisagem como um produto sócio-cultural refletido sobre um suporte
físico com características muito diversas.
Nesse
contexto o conjunto de espaços livres, pertencentes à esfera pública, reflete
de forma sistêmica, processual e permanente, as consequências da aplicação de
modelos de ocupação urbana sem a necessária avaliação das características
territoriais, implicando em situações de comprometimento ambiental
irreversível.
Em
meio urbano, na esfera estadual e municipal, a poluição dos cursos d´água, a
ocupação de mananciais, o comprometimento das encostas ocupadas, as
modificações dos níveis de lençol freático, o desmatamento e diminuição da
massa vegetal, a impermeabilização crescente dos solos urbanos, a má
distribuição dos espaços livres no tecido, o desequilíbrio das condições climáticas,
dentre outros fatores, são indicativos da inexistência da sistemática de
integração disciplinar entre a
concepção, o desenho e a gestão pública e privada das nossas cidades e
os critérios ambientais e paisagísticos que os deveriam preceder.
Em
meio territorial, na esfera federal, a não observação do equilíbrio entre
domínios naturais e ocupação produtiva tem levado a conseqüências negativas no
tocante ao equilíbrio entre ocupação humana, instalação e operacionalização de
infraestrutura, apropriação de recursos e manutenção do equilíbrio dos
ecossistemas existentes.
A
partir dessa aproximação ao tema, estabelecemos as seguintes hipóteses:
· Os processos e
os modelos de ocupação urbana explicam e justificam ações da esfera
pública
no território, refletindo-se diretamente
no objeto de estudo selecionado: o sistema de espaços livres públicos;
· A relação entre
os preceitos de planejamento da paisagem e as demandas de
planejamento
urbano deve ser entendida como pressuposto para a integração direta entre esses
dois campos de conhecimento e prática profissional;
· Os planos diretores,
recentemente elaborados ou revisados, devem incorporar, em
seu
conteúdo, diretrizes quanto aos sistemas existentes e previstos de espaços
livres, incluídas nos princípios de processamento e apropriação da paisagem, de
forma integrada às diretrizes quanto ao ordenamento territorial, onde novos
modelos de ocupação, densificação e/ou expansão urbanas são estabelecidos;
· Os espaços
livres públicos passam a ter um importante papel ambiental, além das
abordagens
tradicionais que os relacionam com espaços de circulação, lazer e contemplação.
Portanto o sistema de espaços livres públicos considera os recursos naturais do
território de forma a garantir o direito à qualidade de vida de seus cidadãos.
Nesse
contexto, a contribuição científica sobre a conceituação dos sistemas de
espaços livres, que busca a integração e a interdisciplinaridade defendidas
acima, não está ainda sistematizada a ponto de favorecer argumentos que
promovam a qualificação dos sistemas existentes, adequando-se e integrando-se
aos demais campos disciplinares e às políticas públicas que, em última análise regulamentam
e direcionam a ocupação.
Na
maioria dos casos as instâncias públicas que lidam com o assunto carecem de uma
conceituação teórica e conceitual, fato esse que pode ser identificado desde as
denominações utilizadas em seus instrumentos legais até às diretrizes por esses
estabelecidas
A
aproximação entre academia e a esfera das decisões públicas é, portanto,
fundamental para o direcionamento propositivo da ocupação territorial, em suas
diversas escalas, devendo se pautar na interdisciplinaridade dos campos de
conhecimento, pesquisa e prática.
Planejamento urbano x planejamento da
paisagem: à guisa de reflexão
Em
processo recente junto ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico), encaminharam a proposta de pesquisa cujo objetivo é a análise
do sistema de espaços livres e dos modelos de ocupação urbana correlatos no
Estado do Rio de Janeiro, sob a luz dos conteúdos dos Planos Diretores
Municipais.
Através
da leitura crítica dos conteúdos dos planos, da análise do sistema de espaços
livres e dos modelos de ocupação urbana, pretende-se questionar sua adequação
morfológica e ambiental, levando-se em consideração os contextos históricos e
culturais que os geraram, como eixo propulsor da ocupação.
Desta
forma, ao analisar os conteúdos desses planos, cujo encerramento era previsto
para outubro de 2006, podemos ter um quadro analítico e comparativo que nos
possibilitará elencar as principais orientações legais e as direções que
deverão tomar as instâncias municipais em relação ao território e a sua gestão,
procurando destacar as relações entre as condicionantes ambientais, as demandas
sociais e os modelos propostos para o crescimento e adensamento urbanos.
Deverão também ser confrontadas as determinações de instância municipal e as
legislações vigentes de âmbito federal e estadual.
A
Constituição Federal já estabelecia em 1988 duas premissas importantes ao se
referir ao ordenamento territorial, relativas à política de desenvolvimento
urbano e à definição de propriedade, como abaixo:
· A política de
desenvolvimento urbano tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento
das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes;
· A propriedade
urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais
de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor.
No
decorrer desses vinte e quatro anos ainda não vimos uma mudança significativa
tanto nas políticas municipais como na discussão do papel que cumprem as
esferas públicas e privadas no tocante à propriedade e gestão do espaço urbano.
O
Estatuto da Cidade, promulgado em 2001, regulamenta os artigos 182 e 183 da
Constituição Federal de 1988 e, ao estabelecer diretrizes gerais da política urbana.
A oportunidade de verificar os novos posicionamentos contidos nos planos
diretores, desenvolvidos entre 2001 e 2006, assim como analisar as diversidades
de políticas, discursos e diretrizes previstas nos possibilitará estudar de que
forma os aspectos substantivos e qualitativos, referentes aos sistemas de
espaços livres, em suas diversas escalas e funções, estão sendo argumentados e
direcionados nos diferentes municípios.
O
Estatuto da Cidade cria instrumentos para que o Município possa intervir no
desenvolvimento de todo o território municipal de forma a promover a
democratização do acesso ao solo urbano assim como promover a regularização
fundiária. Entendemos que a qualificação dos espaços livres, de forma a
formarem um sistema que atenda às expectativas de qualidade de vida do cidadão,
só pode ser adquirida por meio da qualificação do acesso aos espaços públicos.
A
Campanha “Planos Diretores Participativos”, iniciada em 2004, ilustra essa
grande mobilização, que atingiu municípios de portes diversos, desde as regiões
metropolitanas das capitais até esferas municipais de pequeno porte,
distribuídas pelo território nacional.
Segundo
a Rede “Plano Diretor”, do Ministério das Cidades, cerca de 1.682 municípios apresentam obrigatoriedade
legal na realização do Plano, e esse Ministério aplicou pesquisa em cerca de
93% do universo, para averiguar os resultados desses planos. Esses dados,
segundo a rede, estão em fase de tabulação, e viabilizarão obter uma
perspectiva dos conteúdos e dos processos aplicados.
A
universidade cumpre seu papel ao contribuir com a análise desses dados que são
frutos do esforço de milhares de municípios. A análise crítica e focada deve promover
o avanço e aprofundamento das questões ali levantadas.
Conclusões sobre os resultados esperados
Espera-se,
com a pesquisa proposta, montar quadros comparativos dos modelos de ocupação urbana
e de seus resultados no sistema de espaços livres, a partir dos recortes estudados,
buscando-se compará-los a outros exemplos existentes na própria cidade e em
outras cidades do país.
Será
possível montar esses quadros a partir de trocas de experiências em seminários
e oficinas a serem realizados de forma integrada com órgãos de gestão e
planejamento assim como com demais laboratórios de pesquisa na UFRJ (Universidade
Federal do Rio de Janeiro) e em outras universidades.
A
partir das conclusões geradas pela pesquisa, espera-se também compor um quadro
de recomendações a respeito do uso dos modelos de ocupação urbana e da
qualidade do sistema de espaços livres, enfocando as diretrizes serem
incorporadas aos planos diretores e demais instrumentos legais.
Essas
recomendações podem se tornar um corpo crítico e analítico das legislações que
regem a atividade de produção dos espaços construídos e não construídos,
prevendo futuras aplicações.
Estima-se
que as recomendações girem em torno de:
· Desenho da
paisagem: suporte físico e legal
Para
tanto, espera-se:
® a revisão
das medidas legais, incluindo parâmetros
de uso e ocupação do solo
(índices
de aproveitamento, taxas de ocupação, profundidades de construção, remembramentos
e desmembramentos), visando a valorização dos tipos morfológicos adequados aos
sistemas ambientais locais.
· Preservação de
patrimônio ambiental e sócio-cultural
As
recomendações feitas em relação ao patrimônio ambiental e sócio-cultural visam
a valorização dos espaços livres existentes e a serem criados, enfatizando a
esfera pública e a melhoria do ambiente natural e construído.
· Adequação
ambiental
Nesse
sentido, espera-se:
® a indicação de áreas
especiais de preservação ambiental, elevando a quantidade de
áreas
livres e melhorando o equilíbrio entre a massa edificada e os espaços livres
vegetados;
® a indicação da
destinação de espaços existentes que, além da preservação de recursos
ambientais,
atenderiam à demanda por áreas recreativas.
® a indicação de uma política de incentivos, fiscais e
creditícios, a ações particulares,
voltadas
ao aumento da massa de vegetação urbana, tais como o reflorestamento das áreas
de preservação existentes e a serem criadas.
® a indicação de
programas especiais de educação ambiental enfatizando a valorização
da
vegetação urbana, o destino do lixo domiciliar e a preservação dos cursos
d’água.
Excelente. Parabéns.
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