A Arquitetura da Participação Social pressupõe a transversalidade temática, aferindo resultados e análises para além dos dilemas e dos desenhos institucionais dos conselhos de gestão de políticas públicas.
Introdução
Olhar,
refletir e analisar um objeto de pesquisa possibilita amplificar conceitos e desdobrar
significados, ou seja, criar perspectivas para fora dele. Esse é o sentido aqui
adotado para escorços. Especialmente, quando olha para as experiências
participativas vinculadas à gestão pública federal, sendo esse o objeto de
análise. Por sua vez, a criação de perspectiva ocorre no momento em que se
reflete sobre temas que decorrem as distintas realidades desses espaços.
A
Constituição Federal de 1988, no contexto das demandas e lutas da sociedade civil
organizada pela redemocratização, criou bases normativas para um novo projeto
de Estado no Brasil. Tal concepção se destaca pelo novo entendimento de esfera
pública e de administração pública, na qual a participação dos atores da
sociedade civil em espaços institucionais busca significados de partilha do
poder e de ampliação de direito de cidadania.
Durante
a década de 1990 observa-se a implantação de conselhos de gestão de políticas
públicas na esfera federal, assim como nos municípios. No entanto, foi um período
de restrições instauradas pelo modelo de Estado adotado, profundamente influenciado
por ajustes econômicos neoliberais.
A
vitória eleitoral, em 2003, do Partido dos Trabalhadores ampliou a participação
social e fez dessa uma bandeira do novo governo. A partir daquele ano
observa-se uma ampliação dos espaços participativos.
Como
resultado, constatam-se muitos espaços participativos caracterizados pela
diversificação por esferas de governo (municipal, estadual e federal) e
diferenciação por políticas setoriais.
Diante
disso, muitos balanços podem ser realizados sobre os avanços em nossa democracia,
mas um talvez seja essencial: a avaliação crítica sobre a democracia participativa
brasileira.
Esta
avaliação conta com três momentos complementares:
· Revisão
bibliográfica, que versará sobre a visão dos atores da sociedade civil sobre a
democracia
participativa desde a década de 1980;
· O mapeamento de
espaços participativos no governo federal, no período de 2003 a
2010;
· Estudos
temáticos.
No
escopo dos estudos temáticos foram definidos três eixos: representação, interface,
conflito/pactuação. Se a ampliação de espaços participativos foi uma marca desses
últimos anos, há poucas análises sobre como tem se configurado a representação e
como ocorrem as complementaridades entre esses espaços. Outra inquietação presente
diz respeito ao conflito de interesses em jogo, sejam das organizações, entidades
e movimentos sociais que ocupam esses espaços participativos, como também dos
governos e órgãos da administração.
Essa
comunicação objetiva apresenta a configuração dos estudos temáticos. Abordaremos
o processo de construção e os eixos temáticos que estruturam a pesquisa. Na
sequência apresentaremos os primeiros resultados da fase exploratória da
pesquisa.
Como
conclusão, apontamos alguns desafios em relação aos eixos pesquisados, principalmente
na direção de repensar ambientes participativos caracterizados pela partilha de
poder e pela garantia de direitos. Esses primeiros resultados lançam luzes sobre
temáticas que serão exploradas nas etapas finais da pesquisa.
Escorços dos eixos temáticos
A
constituição do processo investigativo se deu com base na opção inicial em ser uma
pesquisa crítica, mas ao mesmo tempo propositiva. Os estudos realizados para a etapa
de revisão bibliográfica e o mapeamento de espaços participativos iluminaram dilemas
e desafios dos espaços participativos brasileiros. Dessas etapas surgiram temas
que a democracia participativa enfrenta e limites para a sua consolidação. Tais temas foram concentrados em três
categorias organizadoras: representação, interface, conflito/pactuação.
Para
os fins dessa pesquisa essas categorias são chamadas de eixos temáticos e
partem de uma visão metodológica que explora e projeta reflexões para além dos
desenhos institucionais de cada espaço participativo nacional. O foco está nos dilemas
dos espaços participativos e nas institucionalidades que podem indicar um novo desenho
da arquitetura da participação social.
Em
suma, a opção metodológica foi por extrapolar o desenho de cada conselho. A
busca é pela compreensão de como ocorrem as conformações de cada um desses
espaços para fora de si mesmo: em direção à sociedade civil e em direção ao
Estado.
O
primeiro eixo da pesquisa, representação, busca a compreensão sobre a configuração
das representações da sociedade civil e do governo, e os limites que seus representantes
enfrentam. Propõem a análise das partes que compõe o mosaico que é a arena
participativa em um Conselho (pessoas, entidades, segmentos e o próprio Conselho).
Há
diversas dimensões intrínsecas nesse eixo:
· A visão do
representante do lugar que ocupa;
· O governo em
suas articulações para se fazer representado;
· A visão dos conselheiros
sobre os outros representantes do governo e da sociedade
civil;
· A representação
por segmentos definida na constituição de cada conselho.
O
segundo eixo da pesquisa se debruça sobre a institucionalidade do conselho, investigando
como ocorrem as relações com outras instituições como, por exemplo, os ministérios
e órgãos públicos, as organizações da sociedade, os outros conselhos e as conferências.
Esse eixo é chamado de Interface.
As
dimensões investigadas nesse eixo focalizam a sobreposição temática entre os conselhos,
a existência de conflitos entre deliberações de conselhos e conferências de temas
distintos, as possíveis experiências de articulações entre os conselhos e o entendimento
da relação entre conselho e conferência.
O
último eixo da pesquisa, denominado conflito/pactuação, tem um olhar para os blocos
da sociedade e do governo com o intuito de investigar a maneira como funcionam no
espaço do conselho. Para isso, lança luzes sobre os conflitos e a maneira como aparecem
nos espaços participativos. Busca-se compreender a natureza das relações entre
governo e sociedade, bem como as estratégias utilizadas para levar pautas ao espaço
do conselho. As dimensões analisadas, nesse eixo, partem da identificação dos temas
conflituosos, dos projetos políticos em disputa e sobre as naturezas do
conflito trazidas pela sociedade e pelo governo, com o pressuposto de que os
conselhos são arenas marcadas pelo conflito onde se explicitam e negociam
diferentes interesses.
Primeiras análises
O
cruzamento das informações encontradas nas entrevistas exploratórias demonstra
o desafio ao lidar com temas que transversalizam os conselhos. Inicialmente o ângulo
de análise passa a ser a intersecção de informações fugindo dos dilemas
internos de cada espaço e do processo de formação de cada uma das políticas.
Adota-se
o termo projeto político na visão de Dagnino, "num sentido próximo da
visão de Gramsci, para designar os conjuntos de crenças, interesses, concepções
de mundo, representações do que deve ser a vida em sociedade, que orientam a
ação política dos diferentes sujeitos". Nessa intenção de construir uma
visão mais geral, os cruzamentos possibilitam a compreensão das dimensões
relativas à sociedade, ao governo e ao próprio espaço institucional
participativo.
Quanto
ao eixo da representação as entrevistas apontam para certo isolamento do conselheiro
no ato da representação. Isso pode ser constatado desde o ponto de vista da não
existência de devolutivas, à informalidade dos canais de devolução (mensagens eletrônicas)
até a decisão tomada individualmente pelos conselheiros.
“E a base que te elegeu? E a
representação que fez que você chegasse ao Conselho?”
“A questão das dificuldades, dos
dilemas, é que a gente acaba não tendo um espaço nos encontros, nas assembleias,
para tratar especificamente sobre esse tema, fazer uma prestação de contas, dar
uma devolutiva do que está sendo tratado. Porque essa questão não é a questão
principal da entidade.”
Os
trechos acima ilustram limites e as dificuldades dos conselheiros de lidarem
com as bases e os segmentos aos quais representam. Isso dificulta o ato da
representação como autorização e prestação de contas, já que muitas vezes, o processo
de distanciamento isola o conselheiro em sua arena de atuação.
Associado
a isso, e como outra análise possível dos cruzamentos entre as respostas das
entrevistas, apesar de nuances entre os conselhos, está a dificuldade dos conselheiros
de criarem uma sistemática de publicidade de suas ações. Isso, porém, relaciona-se
diretamente com o modo de organização e estruturação dos conselhos já que essas
instituições também têm dificuldade de criar transparência de suas ações tanto para
a sociedade, como para o próprio governo.
“Então, a devolutiva acaba sendo
dificultada, porque em partes o Fórum acaba fazendo essa devolutiva. Então, a
gente hoje acaba ficando na devolutiva por meios cibernéticos...”.
“Para você acompanhar essas informações,
você tem que acessar o site e nem sempre o site tem as informações gerais,
normalmente falta foco nesse sentido. Jornais de grande circulação também a
gente encontra pouco. Então, eu avalio que o Conselho enquanto estrutura ainda
tem um processo muito frágil de comunicação com a sociedade”.
Quanto
ao segundo eixo, interface, verifica-se que a ampliação dos espaços participativos
não foi acompanhada pelo aumento da articulação e integração entre as diferentes
áreas setoriais e as instituições participativas. Pelo contrário, verifica-se
uma reprodução da lógica de especialização das políticas setoriais e
isolamento.
[...] “esses nossos instrumentos não
estão respondendo a questão de romper com a fragmentação. A gente percebe que é
o contrário, que está cada vez mais especializado... estamos formando guetos...
Então, esses instrumentos tem aprofundado um ponto contrário do que sempre
falamos que era de pensar de uma maneira articulada, descentralizada”.
Portanto,
nesse quesito o que se tem é quase um vazio de ações conjuntas, que resultou na
construção do Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária. Essa
experiência foi motivada por vários fatores, mas, sem dúvida, destaca-se a
pressão do próprio desenho da política pública e de seu financiamento.
“... acho que a articulação entre
Conselhos. Aliás, a não articulação entre Conselhos é uma realidade sentida por
todos”.
“Com relação às interfaces com os outros
Conselhos isso é bem fácil. Não tem interfaces”.
“Agora de diálogo entre os Conselhos a
gente conseguiu até aprimorar o diálogo com o Conselho Nacional de Assistência
Social, até por uma questão de alguma forma de dependência, já que hoje as
verbas estão vinculadas à área da Assistência Social então é uma exigência que
isso acontecesse, então conseguimos elaborar resoluções conjuntas, como o Plano
Nacional de Convivência Familiar e Comunitária”.
Outro
tema que foi analisado, nesse eixo, diz respeito à interface entre os Conselhos
e as Conferências. Aqui se encontra um grande hiato entre a decisão de se fazer
a conferência e a utilização de seus resultados. Entre esses polos, está o
processo de mobilização social para discussão da conferência, que, em
detrimento do seu sucesso não é aproveitado como espaço educativo .
“Ela não tem monitoramento, não tem
retorno às bases, então eu questiono muito o seguinte, normalmente você tira
delegados, numa delegação para participar de uma Conferência, e aquela
delegação nunca volta para dar um retorno para quem o elegeu, então a gente tem
uma relação de mão dupla nas Conferências, da sua construção para o seu
monitoramento”.
As
pactuações no espaço do Conselho, terceiro eixo de análise da pesquisa, permite
visualizar que os temas em disputa entre governo e sociedade concentram-se, principalmente, na questão
orçamentária.
“Agora mesmo a discussão do Plano
Decenal, em algumas reuniões houve uma mobilização do governo, principalmente
as previsões de não contingenciamento dos recursos, isso teve uma polêmica
entre governo e sociedade civil. O governo se mobilizou para que essa proposta
não passasse a proibição do contingenciamento de recursos na área da criança e
adolescente. Então, quando algum tema assim. Também quando a gente tem tratado
de responsabilização de gestores públicos pelo não cumprimento, não execução de
orçamento, etc., também tem uma mobilização para essas propostas não vingarem”.
“A outra questão de conflito é o
financiamento da política. Aí é que bate governo e sociedade. Aqui a gente vai
discutir entre demanda, necessidade social. A questão do financiamento tem a
dimensão da necessidade e da capacidade de cobertura, mas hoje também ela está
muito vinculada com a própria capacidade de gestão dos municípios”.
As
entrevistas demonstram ainda que o mecanismo de negociação e pactuação é o tradicional
jogo de “bastidores e corredores”, no qual previamente a uma discussão em reunião
plenária, são feitas conversas e contatos paralelos que consubstanciam acordos e
maiorias para votação e aprovação de propostas. Dessa forma, muito poucos
conflitos são explicitados no espaço do debate. Enfim, práticas antigas em
institucionalidades novas.
“Quando uma coisa que o governo quer e
sabe que a gente tem uma restrição eles tentam negociar. Chamam para conversar
antes da reunião, liga. A uma relação direta com os conselheiros mais atuantes,
principalmente aqueles que elaboram proposta. Então, há uma conversa direta. E
são abertos para negociar. E há uma negociação prévia”.
Apontamentos finais
Procurou-se
nesse artigo apresentar os achados iniciais das entrevistas exploratórias
quanto aos três eixos temáticos da pesquisa em foco.
Quanto
à representação é possível apreender alguns dos possíveis significados do ato
do controle social. O isolamento e o distanciamento dos conselheiros em relação
a sua base ou segmento que representa, a baixa articulação, constatado nas
entrevistas, fragiliza o exercício do controle social, e dá margem para um ambiente de defesa de interesses privados, particulares ou restritos tanto as entidades quanto ao
próprio governo.
No
eixo interface, percebe-se que a ampliação dos espaços participativos no governo
federal não convergiu no sentido da criação de uma lógica sistêmica e articuladora,
reproduzindo paralelismos e especializações ao invés da complementaridade. Essa
noção pode ser observada também entre Conselhos e Conferências construídos no
interior das políticas setoriais.
Os
temas relacionados aos conflitos/pactuações demonstram que a partilha de poder
nesses espaços ainda é uma meta a ser trabalhada. Primeiramente porque a questão
dos recursos aparece como ponto nevrálgico da disputa entre governo e sociedade,
demonstrando que o ato governamental ainda preserva o poder de decidir sobre
onde e como aplicar os recursos. Outro aspecto é o modus operandi (maneira de
agir, operar ou executar uma atividade seguindo sempre os mesmos procedimentos)
de governo e sociedade nos processos de votação e deliberação nas reuniões
plenárias dos conselhos, onde se observa que em muitas situações os diversos
interesses não são explicitados, evitando-se o debate, prevalecendo estratégias
tradicionais de negociação.
Abaixo
a um resumo sobre os três eixos apresentados:
· Eixo
Representação – refletir sobre a natureza, o que significa representar na
democracia
participativa, quais as implicações no jogo político, quais os dilemas e
dificuldades;
· Eixo Interface –
o debate aponta para identificar paralelismos, sobreposições e pistas
para
repensar a arquitetura da participação social;
· Eixo Conflitos/Pactuação
– localizar o que está em disputa, como se resolvem
conflitos,
como se negocia, como se constroem pactos, se fazem acordos.
Concluímos
que devemos adensar e contribuir com o debate sobre os horizontes da democracia
participativa, com as possibilidades de desenhos, que fortaleçam a presença
organizada da sociedade civil. Há um comprometimento com a ampliação da
democracia e da participação popular.
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Vídeo
superinteressante sobre o Projeto de Inclusão Social e Desenvolvimento
Integrado das Margens dos Rios Iguaçu e Paraná - Projeto Beira Foz. O
vídeo é extenso mais vale a pena assistir. O vídeo explica um pouco do histórico dos rios, e a inclusão social nesse projeto juntamente com as três esferas governamentais.