A sociologia
urbana estuda as relações sociais (entre indivíduos, grupos e agentes
sociais) dentro do espaço urbano, constituindo-se, de forma geral, como a
base dos estudos sobre as cidades.
Origens da Sociologia
Como
várias outras disciplinas modernas das ciências sociais aplicadas (economia, política,
direito positivo, por exemplo), a sociologia nasce no contexto da revolução
industrial na Europa ocidental, quando a reflexão sobre as organizações humanas,
inclusive num sentido comparativo entre as sociedades civilizadas – em
contraposição à comparação entre estas e as sociedades ditas primitivas, que
redundará na antropologia –, começa a ser sistematizada pelos primeiros
filósofos sociais, ou “ideólogos”, como foram chamados alguns deles, na passagem
do Iluminismo para a sociedade capitalista, movimento, aliás, coincidente com a
Revolução Francesa. Alguns desses pensadores iluministas – entre eles Rousseau
e Condorcet, por exemplo – colocam as bases de um discurso não mais
simplesmente filosófico, ou apenas histórico, mas de natureza quase
sociográfica sobre as formas de organização social e as instituições criadas
pelos homens para regular as relações entre eles. O contratualismo inglês ou o
de Rousseau, o progresso das luzes na visão desses ideólogos da sociedade civil
e a evolução dos meios materiais (tecnologia), assim como as funções do Estado
e os modos pelos quais os homens entram em relações de trabalho ou se organizam
politicamente constituem alguns dos diversos elementos conceituais que
integrarão, já no século XIX, essa nova disciplina que seria batizada pelo
pensador francês Augusto Comte de “sociologia”.
Antes
dele, alguns “estatísticos” tinham começado a coletar dados sobre a vida dos homens
em sociedade: nascimento, morte, trabalho, criminalidade, ocupações
profissionais etc. Outros, preocupados com a amplitude do sofrimento humano –
naturalmente existentes ou provocados pelos próprios homens – e as
desigualdades existentes (algumas aprofundados nessa mesma época), se dedicaram
a preconizar grandes projetos de reforma das sociedades tradicionais, ou em
transição para o sistema fabril capitalista, em função de projetos imaginários
que também se situam nas origens das doutrinas socialistas. Entre estes se
destaca o aristocrata francês Saint-Simon que, com base nesse tipo de valor
ideal, passa a investigar as causas da organização social de sua época, com
vistas a preconizar melhorias graduais no funcionamento da sociedade.
Desse
tronco derivam as diferentes doutrinas socialistas e, no plano do método, as
formas de interpretar os problemas sociais e eventuais formas de superá-los.
Essa
é uma era das revoluções, como intitulou Eric Hobsbawm seu estudo de história cobrindo
essa passagem da antiga sociedade aristocrática e absolutista para outra na quais
mais classes passam a ter acesso ao sistema político, em primeiro lugar a
burguesia, mais adiante o proletariado. Mas, segundo ele mesmo, a era
revolucionária deu lugar à era do capital, tão bem estudada por Karl Marx e
seus discípulos, que faziam sociologia ainda que não de forma deliberada ou
sistemática. Um desses seguidores, Herbert Marcuse, já no século XX, considerou
que o surgimento da teoria social se faz sob o signo da negatividade, isto é, o
fato de tentar superar o conjunto de contradições sociais negando o conjunto de
relações sociais existentes em favor de formas superiores de organização
social, o que revela a contribuição do hegelianismo para a configuração
doutrinal dessa disciplina.
Uma
análise mais sistemática desses problemas sociais será proposta tanto por pensadores
franceses, como o já citado Comte, como ingleses, entre os quais se destaca Herbert
Spencer, adepto do evolucionismo e da seleção natural a Darwin. É nessa época que
a sociologia deixa de lado os aspectos morais e filosóficos para penetrar em um
campo mais “científico”, com estudos quantitativos sobre as sociedades humanas.
Mas a influência da “biologia social” sobre essa disciplina ainda é muito
forte, pois a sociedade é pensada como um corpo orgânico, cujos “membros” (os
homens) precisam cumprir certas funções para o maior benefício do todo. A
intenção seria o de construir a “paz social”, algo violentamente negado por
Marx e seus seguidores, que veem no princípio da luta de classes o motor da
história.
Nessa
tradição, a sociologia aparece de fato como a ciência da luta de classes, mas
os psicólogos sociais, sobretudo franceses (como Gustave Le Bon), buscam
corrigir essa visão pela análise dos comportamentos humanos e das formas de
sociabilidade. A fusão desses diferentes ramos das ciências sociais, inclusive
o da história e o da economia, irá resultar numa das mais importantes obras já
efetuados sobre o pensamento e o método da sociologia: a do pensador alemão Max
Weber. Vindo da tradição da escola histórica alemã, mas também influenciado
pelo marxismo (que ele procurará contestar), Weber deixa um importante legado que
será recuperado por praticamente todos os sociólogos do século XX, a começar
pelos funcionalistas e pelos comparatistas. Com Weber a sociologia emerge,
realmente, como disciplina completa e dotada de métodos rigorosos, para servir,
não mais uma causa política – reformista ou revolucionária, como tinha sido o
caso até então – mas um objetivo de análise científica da sociedade.
Auguste Comte: um reformista social
Auguste
Comte se vangloriava de ter libertado a análise da sociedade de suas origens filosóficas,
dando-lhe status de ciência, ou de “filosofia positiva”, como ele preferia
dizer. Ele vê essa passagem da religião para a metafísica e daí para a ciência
positiva como um movimento ascensional, em direção de mais ordem e mais
progresso para o homem em sociedade. Ele também é um reformista social, mas
pretende que seu trabalho corresponde à verdadeira essência da sociedade
moderna, enfim liberta das névoas do misticismo feudal e da metafísica dos
antigos.
Comte
era um verdadeiro continuador de Saint-Simon, pois que também via na tecnocracia
e na revolução industrial os sinais precursores de uma nova sociedade. Ele foi,
aliás, o inventor da palavra “sociologia”, que ele descrevia como o estudo
científico da sociedade. Em sua época, estavam na moda os estudos
administrativos, as “enquetes” sociais, sobre as doenças humanas, as causas da
mortalidade, a vida dos trabalhadores, as raízes da criminalidade e muitos
outros problemas “sociais”, que eram medidos, comparados, colocados em
progressão.
Ele
próprio fazia pouco uso desses novos métodos de investigação social, preferindo
fundar a sua doutrina com roupagens prescritivas, mais até do que simplesmente
interpretativas. Em outros termos, Comte pretendia estar no centro, não apenas
de uma nova maneira de interpretar a sociedade, como igualmente de
transformá-la em seus próprios fundamentos.
Karl Marx: um reformista radical com
ares de revolucionário
Talvez
Marx não tivesse plena consciência de “fazer sociologia”, mas toda sua obra, ainda
na interpretação de vários mestres, como Raymond Aron, é basicamente uma
sociologia convertida em princípio dinâmico da história. Apoiando-se na
tradição filosófica alemã – sobretudo na dialética de Hegel – e nos
historiadores franceses, Marx concebia a história em termos de luta de classes
e de revolução. Para Marx, as lutas de classes eram o verdadeiro “motor da
história”, como ele escreveu nos primeiros textos filosóficos e no Manifesto do
Partido Comunista, em colaboração com seu amigo de toda a vida, Friedrich
Engels. Marx, entretanto, subordina a política, isto é, a luta pela tomada do
poder, à economia, já que ele atribuía as lutas de classes à situação de
dominação provocada pelas forças econômicas predominantes na sociedade. A
política seria uma espécie de superestrutura jurídica, ao passo que a infraestrutura
material era formada pelas forças materiais, das quais as mais importantes eram
as forças produtivas, isto é, econômicas. Segundo o progresso destas, ocorria
uma mudança nas relações de produção, ou seja, entre os principais agentes econômicos
dominantes em casa época (senhor e escravo, senhor feudal e servo, burgueses e proletários).
Em certos trechos de sua obra, o Estado moderno aparece como um mero apêndice
do capital, em outros textos pode existir certa independência do político (como
na análise do bonapartismo).
Toda
a obra de Marx está fortemente impregnada de filosofia da história e de sociologia,
mesmo se não de forma explícita. Em todo caso, todo o aparelho conceitual da sociologia
contemporânea já está presente na obra de Marx e nela tem raízes
indisfarçáveis.
Noções
como aparelho de Estado, luta de classes, dominação política, exploração econômica,
infra e superestrutura e muitas outras, forjadas ou transformadas por Marx,
fazem parte do instrumental analítico da sociologia contemporânea e foram
consagradas até no vocabulário jornalístico. Mais até do que no trabalho
propriamente intelectual, noções como as de “revolução” e de “luta de classes”
penetraram nos movimentos sociais, sindicais e políticos e marcaram
profundamente o caráter de nossa época, pelo menos até uma data relativamente recente.
Mesmo o trabalho de sociólogos não comprometidos com a chamada “ruptura” com a sociedade
de classes, como podem ter sido as atividades didáticas e de escritores como
Max Weber e Raymond Aron, foi profundamente marcado pelas propostas políticas e
pelos sistemas interpretativos oferecidos por Marx ao longo de sua obra. Esses
autores, entre muitos outros, construíram suas obras respectivas num diálogo à
distância, e até num certo confronto, talvez involuntário, com a sombra
gigantesca de Marx.
Esse
reconhecimento público em torno da grandiosidade da obra de Marx não é sem justificativa,
por mais que se possa fazer críticas às colocações marxistas a respeito do
poder político, da violência como “parteira da história”, da necessária superação
do poder burguês pela ditadura do proletariado e de outras propostas desse
mesmo teor. Foi Marx quem pretendeu “revolucionar” o mundo burguês de sua
época, fundando um outro tipo de sociedade que deveria terminar por abolir o
Estado e toda dominação de classe. Ideia certamente generosa, e idealista,
essa, que, no entanto se chocou com toda a realidade da dominação pura e
simples. Antes de ser de classe, o poder é simplesmente poder, dos mais
capazes, dos mais fortes, ou dos mais preparados a exercê-lo, sendo que o poder
de classe teve muito poucas manifestações concretas na história. Esse idealismo
marxista, de aspirar a uma redenção da dominação política através de uma classe
pretendidamente universal, que deveria ser o proletariado, revela o quanto de
hegelianismo Marx ainda conservou na elaboração de sua interpretação
sociológica da história.
O
que restou do pensamento marxista, ademais dessa enorme contribuição à sociologia
contemporânea, foi essa visão humanista da “libertação do homem” das amarguras
da exploração capitalista e da dominação política de classe (feudal, em alguns
casos, burguesa em outros). Que ele tenha se equivocado em várias predições –
como a da crescente polarização social na sociedade capitalista e o aprofundamento
da miséria operária – não eliminou o atrativo de seu pensamento para uma classe
específica de “trabalhadores”: os intelectuais, ou seus modernos
representantes, os acadêmicos e universitários.
Max Weber: um pensador sistemático
Max
Weber começou sua carreira pelo estudo e a prática do direito, no final do
século XIX, mas logo enveredou pela filosofia da história e pelo estudo
comparado das religiões.
Sua
tese de doutoramento foi sobre a história das companhias de comércio da Idade
Média, o que o fez debruçar-se nas inúmeras conexões entre história econômica e
direito. Logo em seguida, sua habilitação se deu numa tese sobre as
instituições agrárias da antiguidade, o que despertou a admiração do grande
historiador alemão dessa época, Theodor Mommsen.
Weber
teve uma carreira essencialmente acadêmica, entrecortada por problemas psíquicos
e muitas viagens fora da Alemanha, mas a partir do início do século XX ele dá início
a uma produção sistemática de estudo comparado das religiões e sobre a
estrutura da sociedade capitalista, que ele examinou tanto pelo lado da racionalidade
econômica como pela vertente da administração burocrática. Ainda que admirador
do sistema político alemão e da sua eficiência econômica, ele também colocou
seu país em contraste com a América democrática, concluindo pelo bom desempenho
das associações livres entre os homens e o vigor da inovação técnica numa
sociedade aberta.
Ele
colocou essas situações em contraste com os problemas da sociedade russa,
convulsionada por revoluções e incapaz de se reformar.
Sua
viagem aos Estados Unidos permitiu-lhe recolher material suplementar para seu estudo
já iniciado sobre a influência do fator religioso na evolução da sociedade, o
que resultou em sua obra mais conhecida A Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo. Muita polêmica se deu em torno das principais teses dessa obra,
que, no entanto não era apresentada por Weber como indicativa de uma correlação
causal entre o protestantismo e o capitalismo, mas tão somente como reveladora
de certas afinidades eletivas entre certos comportamentos religiosos, presentes
em algumas seitas protestantes, e formas de organização social que tendiam a
favorecer o referido espírito capitalista (frugalidade, predestinação, não
rejeição do sucesso material, não aversão ao lucro, como na tradição católica,
mas também a separação dos assuntos religiosos da condução do Estado).
Participando
ativamente dos trabalhos de uma associação de ciências sociais, a partir de
1908, Weber estimulou os estudos sistemáticos sobre grupos sociais, desde ligas
esportivas, a seitas religiosas e partidos políticos. Datam desta época seus
estudos que depois seriam reunidos no volume Economia e Sociedade, embora ele
tenha elaborado, igualmente, trabalhos sobre a metodologia das ciências sociais
que ainda hoje possuem validade para uma reflexão sobre o estatuto da
sociologia no conjunto das disciplinas científicas. Foi nas diversas partes de
Economia e Sociedade que Weber aprofundou sua análise sistemática do poder e da
burocracia, assim como sobre esses instrumentos analíticos que foram por ele
chamados de “tipos-ideais”, isto é, estruturas arquetípicas de um determinado
fenômeno social que recolhe elementos da realidade em suas definições mais
generalizantes e puramente abstratas.
Ainda
que expressos de maneira abstrata, os tipos-ideais poderiam referir-se a elementos
históricos concretos e particulares, como por exemplo, a racionalidade ocidental
(em oposição a valores das civilizações do Oriente), ou a cidade-estado
moderna, ou ainda o próprio capitalismo, tal como ele se desenvolveu na Europa
ocidental e foi transplantado para a América. Mais relevante ainda, e até hoje
usados na ciência política, sua designação dos tipos-ideais de dominação
política, como sendo de natureza carismática, tradicional ou racional.
Weber
possui muitos outros escritos, de natureza política, de reflexão sobre a
prática da política, assim como sobre os regimes políticos contemporâneos na
Alemanha e na Rússia, mas seu legado principal deve ser considerado
essencialmente como um pensador da teoria sociológica em suas formulações
analíticas – por ele designada como Vertehen, ou compreensão –, inclusive em
bases comparativas. Nisso, como observou Raymond Aron, ele estava muito longe
de Auguste Comte, que tentava ver na sociologia um conjunto de leis que
permitisse organizar e dirigir a sociedade. Ele achava que as ciências sociais
deveriam sempre buscar aproximar-se do ideal de compreender o mundo, sem que se
tivesse, entretanto a ilusão de compreendê-lo em sua totalidade, inclusive por
uma questão de cunho prático, o problema dos valores do pesquisador, que
interferem na sua maneira de ver o seu objeto de análise.
Émile Durkheim: um funcionalista prático
Durkheim
é o primeiro grande sociólogo sistemático do século XX, tendo formulado as
bases da análise social com um rigor próximo do “cientismo”, então em vigor na
academia. Ele começou sua carreira acadêmica com uma tese de doutoramento que
está na base da reflexão sobre a vida em sociedade: a divisão social do
trabalho.
Ele
rejeitava as explicações de tipo individual ou psicológico para expor um
fenômeno básico da vida em sociedade, que é a da crescente integração entre os
atores sociais, a despeito mesmo do declínio dos valores religiosos e dos laços
de solidariedade (típicos das comunidades menores). A divisão social do
trabalho, no entanto, não é apenas encontrada nas sociedades complexas: ela já
existe nas sociedades primitivas, mas assume aqui a forma de divisão sexual do
trabalho. Mas é na sociedade moderna, com seu regime fabril, que a divisão se aperfeiçoa
em alto grau, com base na especialização profissional. Durkheim não deixa de traçar
um paralelo entre essa evolução e a diferenciação nos organismos, para formas
cada vez mais complexas. Nas sociedades, ele vê a passagem da solidariedade mecânica,
típica dos estágios mais elementares da vida em sociedade, para a solidariedade
orgânica, mais estruturada e denotando formas superiores de coesão social.
Esse
tipo de análise é reencontrado no estudo de Durkheim sobre o suicídio, que explora
os casos patológicos de anomia, mas ele ainda aqui tende a enfatizar mais a
ação dos fatores sociais do que psicológicos na determinação dos casos de
suicídio. Ele chega a determinar três tipos de suicídio: egoísta, altruísta e
anômico, sendo que as taxas relativas dependem da idade e do sexo e variam
conforme as religiões (ele encontrou uma maior incidência nos indivíduos
protestantes do que nos católicos).
Para
ele, os fatos sociais devem ser considerados como “coisas” – das formas mais
elementares do culto religioso, que ele exemplifica pelo totemismo (ele
seleciona como estudo de caso o totemismo australiano). As principais
categorias utilizadas por ele nessa análise são as de sagrado e profano, que
ele recupera de Fustel de Coulanges. Como na análise da divisão social do trabalho,
o que está em causa é mais o coletivo social, do que o indivíduo no plano
psicológico.
A
obra de Durkheim continuou a marcar e a influenciar as teorias sociológicas modernas,
talvez mais pelo lado do método do que pela vertente de suas interpretações,
que podem ter sido influenciadas pela época, com sua forte ênfase na
organicidade, na anomia e na patologia e nos princípios morais e valores
religiosos.
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