Direito Urbanístico é o ramo do Direito que trata da ocupação, uso e transformação do solo, e
englobando mais do que o território das cidades, o território urbano propriamente dito.
Introdução – Urbanismo x Direito
Emprega-se
o termo urbanização para designar o processo pelo qual a população urbana cresce
em proporção superior à população rural. Não se trata de mero crescimento das cidades,
mas de um fenômeno de concentração urbana.
A
urbanização da humanidade é um fenômeno moderno da sociedade industrializada, fruto
mesmo da revolução industrial. Ao nos referirmos às cidades, logo visualizamos os
grandes centros em que se aglomeram fábricas e serviços, atividades
necessariamente desvinculadas do produto natural da terra, este, ao contrário,
objetivo principal das atividades do campo.
A
população urbana no Brasil representa, progressivamente, 32% em 1940, 45% em 1960,
50% em 1970, atingindo 70% em 1980 e 80% em 2000, revelando a urbanização crescente,
porém prematura e despreparada.
Em
verdade, “o fenômeno urbano, aqui e alhures, é constatado como um daqueles em que
é preciso disciplinar e conformar para que o homem não se veja engolfado pela civilização
do caos que se avizinha, na visão dos futurólogos e dos filósofos do nosso tempo”.
O
urbanismo é, pois, uma ciência que se ocupa do fenômeno urbano, tratando-o a
partir de seus preceitos e parâmetros. Leopoldo Mazzaroli definiu o urbanismo,
do ponto de vista técnico, como “a ciência que se preocupa com a sistematização
e desenvolvimento da cidade buscando determinar a melhor posição das ruas, dos
edifícios e obras públicas, de habitação privada, de modo que a população possa
gozar de uma situação sã, cômoda e estimada”.
Esta
concepção restringia-se aos limites da cidade em que o urbanismo começa a
abranger a cidade e o campo, preocupando-se com algo mais que os aspectos
meramente físicos do território.
A
partir daí, o urbanismo deixa de ser mera disciplina da cidade e passa para
projetos de estruturação regional e, posteriormente, os planos nacionais de um
país.
Tal
concepção moderna deve-se ao reconhecimento de que a cidade não é entidade com vida
autônoma, destacada e isolada no território. Em verdade, o urbanismo ultrapassa
os limites da cidade para englobar um território inteiro, que se influencia
mutuamente, devendo, pois, ser estudado de forma sistêmica e conjugada.
Torna-se,
assim, o urbanismo, em razão da escola racionalista ou funcional representada por
Le Corbusier, na “ciência da organização do espaço, para além das restritas
fronteiras
das cidades.”.
E
conceitua o próprio Le Corbusier:
"O
urbanismo é a gestão dos lugares e várias instalações que devem valorizar o
desenvolvimento da vida material, sentimental e espiritual em todas
as suas formas, individuais ou coletivas. Abrange tanto os centros
urbanos e agrupamentos rurais. O urbanismo já não pode mais estar apenas
sujeito às regras de esteticismo gratuito. É, pela sua essência,
de ordem funcional, há três funções fundamentais para a realização
que deve garantir o urbanismo:
1º Habitação;
1º Habitação;
2º
Trabalho;
3ª Recreação.
Seus objetos são:
a) uso da terra;
Seus objetos são:
a) uso da terra;
b) a
organização do movimento;
c) legislação.
As três funções fundamentais acima indicadas não se veem favorecidas pelo estado atual das multidões. Devem ser recalculadas as relações entre os diversos lugares dedicados a elas, de modo a determinar uma justa proporção entre os volumes construídos e os espaços livres. Deve-se reconsiderar o problema de movimentação de solo, o resultado das divisões, vendas e especulação, deve ser substituída por uma economia básica de agrupamento capaz de responder às necessidades presentes, garantir aos proprietários e às comunidades presentes, garantir aos proprietários e à comunidade a partilha equitativa dos benefícios resultantes do trabalho de interesse comum”.
c) legislação.
As três funções fundamentais acima indicadas não se veem favorecidas pelo estado atual das multidões. Devem ser recalculadas as relações entre os diversos lugares dedicados a elas, de modo a determinar uma justa proporção entre os volumes construídos e os espaços livres. Deve-se reconsiderar o problema de movimentação de solo, o resultado das divisões, vendas e especulação, deve ser substituída por uma economia básica de agrupamento capaz de responder às necessidades presentes, garantir aos proprietários e às comunidades presentes, garantir aos proprietários e à comunidade a partilha equitativa dos benefícios resultantes do trabalho de interesse comum”.
A
inevitável incidência das diversas ciências no estudo e disciplina do fenômeno
urbano leva a crer que o jurista ou arquiteto sozinho, não mais resolvem os
problemas da cidade, porque convergem, na solução deles, conhecimentos
sociológicos especializados, geográficos, estatísticos, de engenharia
sanitária, de biologia, de medicina, e, sobretudo políticos e econômicos.
A
matéria urbanística é, assim, necessariamente interdisciplinar e infinitamente
rica em aspectos.
Em
verdade, o conceito de urbanismo “tem uma natureza polissêmica, já que comporta
uma pluralidade de sentidos”. Dentre esses sentidos ou acepções, um jurista
português destaca quatro: o urbanismo como fato social, como técnica, como
ciência e como política. Seriam estes os sentidos fundamentais do “urbanismo”,
que delineiam seu entendimento.
Como
fato social, o urbanismo expressa o fenômeno do crescimento das “urbes” ou das cidades.
A atração que as cidades promovem sobre as populações originariamente rurais e
o consequente aumento contínuo da população nos centros urbanos está na base da
urbanização, conforme conceituamos anteriormente.
Discute-se
qual seriam os critérios para definir que uma determinada região detém o título
de “cidade” ou centro urbano. Critérios
como a densidade populacional por quilômetro quadrado, ou ainda a forma
predominante da atividade econômica, uma vez considerados isoladamente não
representam elementos exaustivos do conceito de cidade.
As
Nações Unidas, bem como inúmeros autores que optaram por esse conceito, define população
urbana como a que reside em localidades com pelo menos 2000 habitantes. Qualquer
que seja o critério, todos levam à identificação da cidade, auxiliando na reflexão
de seus problemas.
Além
de ser um fato social, o urbanismo é uma técnica de criação, desenvolvimento e reforma
das cidades. Urbanismo, nesse caso, é sinônimo de técnica urbanística. Atualmente,
todo projeto de urbanismo exige estudos baseados no trabalho de especialistas
das mais diferentes matérias, cada vez mais fragmentadas e mais precisas e seu
resultado refletirá a convergência de todos esses conhecimentos.
Além
de ser uma técnica, o urbanismo também passou a ser apresentado como uma ciência
autônoma, surgida na Europa no período que medeia entre finais do século XIX e
a 1ª Guerra Mundial.
O
urbanismo é, em resumo, elemento de importante transformação das cidades, promovido
através de atividades próprias, destinadas a aplicar seus princípios e realizar
seus fins.
A
doutrina é unânime na afirmação de que esta nova ciência assume uma natureza eminentemente
interdisciplinar.
Como
técnica e ciência interdisciplinar, o urbanismo correlaciona-se com a cidade industrial,
como instrumento de correção dos desequilíbrios urbanos, nascidos da urbanização
e agravados com a chamada explosão urbana do nosso tempo.
O
Direito é, também, uma das ciências que regula o fenômeno do urbanismo, lançando
sobre este seus elementos, conceitos e princípios.
A
ciência jurídica manifesta-se objetivamente em suas normas, adota os conceitos
e as abordagens de outras ciências e cria sobre elas sua própria concepção,
enquadrando o fenômeno urbano com o fim de adequá-lo, transformando-o de forma
que atenda aos seus objetivos e aos anseios dos que lhe legitimam.
Urbanismo
vem de “urbes”, cidade. O conceito de urbanismo guarda, assim, independência e
peculiaridade do conceito de Direito Urbanístico.
Tratam,
em verdade, de duas ciências cujo objeto de estudo é o mesmo, porém, avaliado sob
óticas peculiares. Ambas se debruçam sobre o fenômeno urbano, propriamente sobre
a utilização do espaço nos centros urbanizados e rurais.
Neste
contexto, o fenômeno urbano, como objeto de estudo científico, leva o pesquisador
à busca multidisciplinar, para o atendimento da demanda de soluções imediatas,
exigência que se observa de forma ainda mais evidente nos países com baixo índice
de desenvolvimento, como é o caso do Brasil.
O
urbanismo apresenta-se, assim, como uma ciência compósita, que vai buscar conhecimentos
a várias ciências, tais como a geografia, a arquitetura e a técnica de construção,
a estatística, a ciência econômica, a ciência política, a ciência administrativa,
a sociologia, a história, a ecologia humana, e, inclusive, a própria medicina,
com o objetivo de possibilitar um desenvolvimento harmonioso e racional dos aglomeramentos
humanos.
Direito
Urbanístico é o conjunto da disciplina jurídica, notadamente de natureza
administrativa, incidente sobre os fenômenos do urbanismo, destinada ao estudo
das normas que visem a impor valores convivenciais na ocupação e utilização dos
espaços habitáveis.
Os princípios constitucionais e a
autonomia do Direito Urbanístico
As
normas urbanísticas ainda não adquiriram unidade substancial, formando conjunto
coerente e sistematizado legislativamente. Encontram-se dispersas em diversas
leis e apenas guardam, entre si, conexão puramente material em função do objeto
regulado. Para identificá-las, torna-se necessário estabelecer com precisão
qual é esse objeto, que vem a ser o próprio objeto do Direito Urbanístico.
O
Direito Urbanístico é um “conjunto de técnicas, regras e instrumentos
jurídicos, sistemáticos e informados por princípio apropriados, que tenha por
fim a disciplina do comportamento humano relacionado aos espaços habitáveis, ou
seja, arte e técnica social de adequar o espaço físico às necessidades e à
dignidade da moradia humana”.
A
Constituição Federal do Brasil menciona o Direito Urbanístico que trata das
competências concorrentes da União, Estados e Distrito Federal o que, para
alguns autores, indica a autonomia da matéria no contexto da ciência jurídica.
A matéria
de direito urbanístico encontra relevante disposição no art. 182 que trata da
política de desenvolvimento urbano executada pelo Poder Público Municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei, com o objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes.
Nesse
contexto, fica evidente que “o princípio da função social da propriedade
constitui o núcleo central do Direito Urbanístico”.
Outros
são, ainda, os princípios constitucionais que conferem ao Direito Urbanístico autonomia
e relevância material.
Destacamos
o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da igualdade.
O
princípio da dignidade da pessoa humana reveste-se do entendimento atual de que
o ser humano deverá ser respeitado por se tratar, simplesmente, de um ser
humano. É de tal relevância o princípio da dignidade da pessoa humana que na
elaboração da nova Carta Constitucional da União Europeia tal preceito
encontra-se à frente mesmo do direito à vida. Não é dever garantir-se apenas a
vida, mas a vida com dignidade.
Considerando
o respeito pelas virtudes e qualidades humanas, o Direito Urbanístico, uma vez
voltado ao desenvolvimento das técnicas de ordenação dos territórios e utilização
social da propriedade, apresenta-se como ciência das mais relevantes para a concretização
do direito à dignidade da pessoa humana.
Não
há dignidade sem moradia, sem condições de habitação, sem instrumentos urbanos que
garantam a circulação, o lazer e o trabalho.
O
Direito Urbanístico é fundado, ainda, no princípio da igualdade. É, pois, um
direito fundamental do cidadão brasileiro. Considerando a vinculação da
Administração Pública ao princípio da igualdade, esta deve se traduzir na
elaboração e aprovação de planos que estabelecem regras respeitantes à
ocupação, uso e transformação do solo urbano ou rural. A todo cidadão deve
estar garantido, igualitariamente, o acesso à cidade.
Mas
é com a Lei Federal n. 10.257/2001, o “Estatuto da cidade” que fica definitivamente
consolidada a chamada “Ordem Urbanística”, entendida como conjunto de normas de
direito urbanístico, ramo autônomo na disciplina jurídica.
De
fato, vislumbramos progressivo incremento das normas que visam ordenar o uso e
a propriedade do solo. Tal preocupação pode ser justificada, no caso do Brasil,
pela extrema da situação de risco que apresentam as cidades mais populosas do
nosso país. Interessante observarmos, nesse aspecto, a lição de Fernando
Garrido Falla, que, avaliando as razões para a numerosa literatura sobre
direito urbanístico e regime do solo.
Para
o referido jurista, a escassez do solo, como a escassez de qualquer recurso
natural, justifica a ordenação jurídica do seu uso e consumo. Assim, o planejamento
do uso do solo é necessário para conseguir um equilíbrio entre a demanda e a
oferta.
A
qualidade de vida pode, ainda, efetivamente ver-se deteriorada pela
concentração populacional em determinados lugares. A busca pela qualidade de
vida é, então, justificativa para que se ditem medidas limitadoras da densidade
máxima de edificações por área, volume por superfície, entre outras.
A
proteção do meio ambiente, intimamente ligada ao elemento anterior, também representa
forte argumento para a regulamentação do solo. Desta feita, não só os
habitantes atuais, mas para as gerações futuras devem ser, desde já, protegidas
de um meio ambiente degradado.
No
que pertence, ainda, às medidas de aproveitamento e utilização do solo, estas
estão inspiradas na finalidade de combater a especulação e proteger o usuário
do solo, uma vez que este se trata de bem primário para a construção da vida do
cidadão.
As
justificativas elencadas, segundo o ensinamento do professor Falla, reúnem-se, em
nossa avaliação, com os princípios constitucionais do Estado Brasileiro e reafirmam-se
na vontade do legislador constituinte.
É
o que se depreende dos artigos 24, que conferiu expressamente à União
competência legislativa para editar normas de Direito Urbanístico, aos Estados
competência suplementar e aos municípios competência para editar normas de Direito
Urbanístico de interesse local.
Além
disso, cumprirá ao Direito Urbanístico, “servir à definição e implementação da “política
de desenvolvimento urbano”, a qual tem por finalidade “ordenar o pleno desenvolvimento
das funções sociais da cidade e garantir o bem – estar de seus habitantes””.
Desta
feita, “o Direito Urbanístico é uma disciplina jurídica que a cada dia ganha
foros de desenvolvimento, justamente porque a cidade, essência do urbanismo, e
onde tal Direito incide, exige diuturnamente a sua participação, quer seja
buscando compor litígios, quer seja oferecendo os instrumentos necessários para
que o Poder Público e o particular possam encontrar formas de convivência no
âmbito dos seus interesses”.
Ressalte-se
que no Direito Urbanístico “não se entende a expressão urbano como oposição ao
que é rural. Ao mecanismo evidentemente dinâmico da cidade soma-se a atividade
peculiar do campo, integrando-se de modo a se formar uma única comunidade, que
é produto natural, de ordem física, moral e mental”.
Comungam
do entendimento de que o Direito Urbanístico é ramo autônomo do Direito vários
dos mais conceituados juristas brasileiros. A posição contrária, por sua vez,
atrai outros tantos juristas da mais alta respeitabilidade.
Simpatizamo-nos
com a posição de que o Direito Urbanístico é ramo autônomo do Direito, uma vez
que este possui princípios e disciplina próprios, ampliados com a aprovação do
Estatuto da Cidade, apesar de guardar larga identidade com o Direito Administrativo.
Dessa
forma, “não há mais como negar a autonomia acadêmica e político – institucional
do Direito Urbanístico, não só pelas referências explícitas feitas ao ramo do Direito
na Constituição Federal de 1988, mas também pelo fato de que foram claramente
cumpridos todos os “critérios” tradicionalmente exigidos para o reconhecimento
da autonomia de um ramo do Direito: o Direito Urbanístico tem objeto, princípios,
institutos e leis próprias”.
Objeto do Direito Urbanístico
O
Direito Urbanístico objetivo (conjunto de normas) tem por objeto regular a
atividade urbanística, disciplinar a ordenação do território. Visa
“precipuamente a ordenação das cidades, mas os seus preceitos incidem também
sobre as áreas rurais, no vasto campo da ecologia e da proteção ambiental,
intimamente relacionadas com as condições da vida humana em todos os núcleos
populacionais, da cidade e do campo”.
É
o ramo do Direito que visa a promover o controle jurídico do desenvolvimento urbano,
isto é, dos vários processos de uso, ocupação, parcelamento e gestão do solo
nas cidades.
O
Direito Urbanístico como ciência, é “ramo do direito público que tem por objeto
expor, interpretar e sistematizar as normas e princípios; vale dizer:
estabelecer o conhecimento sistematizado sobre essa realidade jurídica”.
Ainda,
manifestam-se dois aspectos do Direito Urbanístico:
· o Direito Urbanístico
objetivo, que consiste no conjunto de normas jurídicas
reguladoras
da atividade do poder público destinada a ordenar os espaços habitáveis,
o que vale
dizer: conjunto de normas jurídicas reguladoras da atividade urbanística;
· o Direito
Urbanístico como ciência, que busca o conhecimento sistematizado
daquelas
normas e princípios reguladores da atividade urbanística.”
Conclusões
No
que tange à matéria abordada no presente artigo, concluímos que o Direito Urbanístico
ou Direito do Urbanismo é disciplina autônoma do Direito, uma vez que tem por
objeto um conjunto de normas específicas, voltadas para a realização e aplicação
de princípios norteadores próprios e princípios constitucionais, bem como nomenclatura,
objeto e tratamento individualizados.
Não
se trata, dessa feita, de nova matéria, mas de matéria amadurecida ao longo do despertar
legislativo e doutrinário, bem como de disciplina necessária para o tratamento de
fatos sociais irredutíveis.
O operador
do direito está, assim, diante de uma disciplina que reúne especialistas de diversas
áreas da ciência atual, bem como da ciência jurídica.
A
disciplina do Direito Urbanístico está, igualmente, diretamente ligada ao
Direito de Propriedade. O Direito de propriedade, como visto, objeto de proteção
e de disputa ao longo da história do mundo ocidental, passa por momento de
“coletivização”. Isso significa que seu conteúdo não mais se justifica pela
utilidade que proporciona a um indivíduo, o proprietário, mas a toda a
sociedade.
No
sistema jurídico brasileiro isso está expresso através dos princípios da função
social, da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Além de constituir objeto
da República Federativa Brasileira a erradicação da pobreza e da marginalização,
além de reduzir as desigualdades sociais e regionais.
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